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Mais Mulheres Por Favor

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04
Out17

[LIVROS] | Depois a Louca Sou Eu

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Aqui está mais um espectacular livro de crónicas de uma mulher nascida no Brasil, desta vez em São Paulo, Tati Bernardi, colunista do jornal Folha de S. Paulo e guionista permanente da Rede Globo, que tanto me fez rir, algo que é muito invulgar quando leio.

 

Tati Bernardi prometeu escrever um livro sobre o medo durante uma viagem de avião assustadora à qual julgou não sobreviver. Felizmente para Tati (e para nós), tudo terminou bem e fomos presenteados com este hilariante Depois a Louca Sou Eu editado em Portugal pela Tinta-da-China, que já tem um lugar reservado no meu coração graças a livros como este e o da Maria Ribeiro, sobre o qual falei aqui há um par de semanas.

 

Depois a Louca Sou Eu relata, numa série de crónicas, os ataques de pânico que Tati sofreu desde miúda, as coisas que pensa sobre os mesmos, as experiências que teve com a família e nos seus relacionamentos graças à sua ansiedade.

Não tem como sair daqui. Está quente. Eu estou naquele segundo exacto do horror: não tem como sair daqui, minha fome virou enjoo, minha ansiedade virou moleza, minha força virou necessidade de me recolher, minha cabeça dói um pouco e meu coração acelera muito para conter um início de desmaio. Está calor e tudo é muito amarelo e seco e nada conforta.

E então começa o pesadelo do "e se". E se eu ficar louca? E se eu desmaiar, vomitar, morrer, secar, sucumbir, gritar, machucar alguém, urinar nas calças, fizer cocô pelas orelhas, suar pelos olhos?

Ensaio incalculáveis vezes, mentalmente, como vou pedir ajuda. "Taxita, eu tô tendo um ataque de pânico, você pode, por favor, ligar para meu plano de saúde e avisar para virem me retirar daqui com um helicóptero equipado com soro, Rivotril e crianças tocando harpa? Eu sei que isso não existe, mas, por favor, finja que está ligando."

Tati Bernardi reserva algumas crónicas para falar sobre os medicamentos que tomou e as peripécias que causavam a toma (ou não) dos mesmos, bem como as terapias a que recorreu, umas menos convencionais do que outras, fazendo sempre uso de um sentido de humor incrível e que muito admiro.

É importante dizer que só viajo à noite e que, naquele dia, desde que acordo, tomo 0,5 mg de Rivotril sublingual a cada três horas. É importante dizer que dez dias antes de viajar, quando começo a sentir os sintomas de forma quase insuportável (e começo a pensar em seiscentas e setenta e oito maneiras de cancelar a viagem, pois só isso me acalma), já estou tomando 0,5 mg de Rivotril a cada seis horas. Então, meu amigo, quando apagam as luzes do avião e não há mais nada a ser feito, eu durmo como se pedras hibernassem.

Diversas foram as vezes em que dei por mim a não conseguir conter uma sonora gargalhada, contudo, aviso já que é difícil mostrar com eficácia as piadas dos excertos que mostrei antes, já que o contexto da crónica é muito relevante e as mesmas resultam muito bem quando estamos envolvidos no espírito deste livro. Depois desta leitura tornei-me uma admiradora de Tati Bernardi sobretudo pela forma despudorada com que se entrega neste livro, fazendo uso da própria desgraça com um fantástico sentido de humor. Depois a Louca Sou Eu é também uma forma descomplicada de termos noção da dificuldade que é viver diariamente com pânico de tudo, da luta interna constante que a ansiedade implica e de quão fácil pode ser desistir e ceder ao uso exclusivo de medicamentos que, por vezes, podem alterar a própria identidade. Que venham mais livros de Tati.

Não aguento muito tempo dentro de casa, não aguento muito tempo na cama, não consigo mais visitar nenhum familiar por mais de uma hora, não suporto mais nenhuma visita por mais de uma hora, os melhores amigos, por mais íntimos que sejam, expulso depois de um tempo. Nem gosto muito da minha rua. Então de onde vem a idealização de que preciso desses lugares mais que tudo e sempre e o tempo todo? De que todo o dia é uma eterna necessidade de voltar para esse lugar de onde me expulso porque também não o aguento? O pânico é a necessidade urgente de uma cama que não existe.

(...) Meu psiquiatra me disse que não sou fraca, sou humana, mas, poxa, às vezes é bem fraco ser humano. Preciso gostar dessa parte, preciso gostar dessa parte. Tirar meu salto alto fincado no meu próprio peito. Agora sinto o efeito de todos os sublinguais que tomei. Quantos foram hoje? O céu está bem limpo.

 

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