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Mais Mulheres Por Favor

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30
Dez17

[LIVROS] | As Melhores Leituras de 2017

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2017 foi um ano de grandes mudanças nas minhas leituras. Dos 53 livros que li, 46 foram escritos por mulheres, num total de 39 autoras diferentes. Li 17 livros de poesia, todos escritos por mulheres. Escolher as melhores leituras deste ano não foi propriamente fácil porque para além da lista de livros que li ser muito diversificada, não houve desilusões, todos resultaram, de alguma forma, numa experiência enriquecedora e inspiradora. Tal como já disse algumas vezes, quanto mais leio mulheres, mais gosto de o fazer e maior é a vontade de ler mais. Ficam abaixo as minhas leituras preferidas:
 
O livro mais desafiador que li este ano. Complexo, poderoso, essencial, feminista em tempos de ditadura. Apesar da grandiosidade em torno desta obra escrita pelas "três Marias", não tenham medo de lhe pegar, é maravilhoso e todo o contexto histórico, político e social que o envolve tornam este livro obrigatório.
 
O primeiro livro que li quando estava a pensar começar este blog e que me deu o decisivo empurrão. Virginia Woolf foi sem dúvida uma grande mulher e este ensaio sobre as mulheres e a ficção deveras emocionante. Muito se alterou desde então, mas há ainda tanto por fazer. Verdadeiramente inspirador.
 
A magnífica estreia literária de Svetlana Alexievich é constituída por centenas de entrevistas realizadas a mulheres russas que fizeram parte da Segunda Guerra Mundial. Foram atiradoras, cirurgiãs, enfermeiras, conduziram tanques e pilotaram aviões, entre muitas outras funções associadas ao ambiente bélico. De uma dureza perturbadora e tremendamente emocionante, faz-nos chorar pelo sofrimento cravado em cada página, mas também de orgulho pela coragem e pelas conquistas destas mulheres.
 
Maria Teresa Horta foi uma das melhores descobertas deste ano e este foi o livro que mais gostei. Paixão e loucura envolvem-se perigosamente a cada página, a cada poema, a cada parêntesis. Caracteriza-se por uma escrita feminina, recheada de intimidade e erotismo, onde são recorrentes as referências a Clarice Lispector, Sylvia Plath, Virginia Woolf, entre outras.
 
Reúne nove textos sobre desigualdade de género, todos maravilhosamente bem escritos, carregados de ironia, humor e tremendamente pertinentes. Rebecca Solnit é uma escritora contemporânea que merece toda a nossa atenção nos tempos que correm. Se ainda não a conhecem, leiam este livro com urgência.
 
Regressar a Han Kang num registo tão diferente de A Vegetariana foi uma das melhores coisas de 2017. Trata-se de um retrato comovente e terrivelmente duro da tensão e do massacre que se verificaram em 1980, na Coreia do Sul, especificamente na região de Gwangju. O segundo capítulo deste livro (O Amigo do Rapaz. 1980) foi o que mais me impressionou nesta obra, uma das melhores experiências literárias do ano.
 
Ali Smith, numa estrutura com variações entre passado e presente, escreve sobre a amizade entre duas pessoas com 70 anos de diferença. Delicado, belo e melancólico, tal como o Outono, este livro transporta-nos para uma amizade que se constrói gradualmente, de forma muito especial, ao mesmo tempo que nos presenteia com diversas referências ao contexto político em que se insere, já que foi escrito no pós-Brexit.
 
8. Poesia Reunida, Martha Medeiros
(ebook) A melhor descoberta de 2017 no que diz respeito à poesia. Precisamos de mais Martha Medeiros nos nossos corações e nas nossas mentes, por isso, fica aqui o apelo às editoras portuguesas: publiquem-na!
 
Lançado este ano, Poesis é uma autêntica epopeia no que diz respeito à génese da poesia. É uma descrição absolutamente soberba do seu processo criativo: pensar, escrever, riscar, sofrer, relembrar, ler, reler. Repetir todo o processo novamente.
 
10. Nadar na Piscina dos Pequenos, Golgona Anghel
Golgona Anghel, nascida na Roménia mas residente em Portugal há muitos anos, é uma das poetisas que mais gosto. Nadar na Piscina dos Pequenos vem, uma vez mais, confirmar a qualidade e a originalidade da sua poesia.
 
Releitura que teve como objectivo incentivar-me a ler os seus outros três livros (algo que acontecerá no início de 2018). Um dos livros preferidos da vida que todos deviam ler.
 
12. Baladas, Hilda Hilst
(ebook) A par de Martha Medeiros, Hilda Hilst foi outra poetisa brasileira pela qual me apaixonei perdidamente este ano ao ler Baladas. Aguardo ansiosamente que as obras destas escritoras sejam publicadas em Portugal ou que alguém aí desse lado vá ao Brasil em breve e me faça o favor de mas trazer.
 
07
Dez17

[LIVROS] | A Guerra não Tem Rosto de Mulher

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A Guerra não Tem Rosto de Mulher, de Svetlana Alexievich, foi, sem dúvida, o livro mais duro que li em 2017. É certo que o ano ainda não terminou, mas creio ser impossível que qualquer livro que venha a ler durante o mês de Dezembro reúna a combinação de sentimentos que este livro provocou em mim. 

 

Prémio Nobel da Literatura em 2015, Svetlana Alexievich era uma das mulheres que mais queria ler este ano. Decidi começar por este livro devido à sua temática, desconhecendo na época que se tratava da sua estreia literária, em 1985. Esta edição não é a original, mas sim a versão de 2002, onde Svetlana reescreveu e acrescentou novos excertos a esta obra, já que anteriormente a censura não lhe havia permitido publicar livremente tudo o que pretendia.

 

O sufoco constante que este livro nos faz sentir forçou-me a fazer diversas pausas, por vezes bastaram horas, noutras foram necessários dias até conseguir retomar a sua leitura. Somos acompanhados por uma sensação de incredulidade e desconforto absurdamente esmagadora ao longo dos excertos das entrevistas feitas por Svetlana durante quatro anos a centenas de mulheres e alguns homens que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. Para além de terem sobrevivido à invasão, ocupação e à guerra que decorreram entre 1941 e 1945, todas estas mulheres russas estiveram, de uma ou outra forma, em combate, foram atiradoras, cirurgiãs, enfermeiras, conduziram tanques e pilotaram aviões, entre muitas outras funções associadas ao ambiente bélico.

 

Não existiram limites para estas jovens mulheres que sentiram a obrigação de defender a sua Pátria quando se temeu a derrota frente à poderosa invasão alemã. Perante a incredulidade dos homens que combatiam e chefiavam o Exército Vermelho, estas aprenderam o ofício da guerra, lutaram, sofreram, resistiram, cuidaram, chegaram mesmo a ser distinguidas e condecoradas mas, depois, caíram no esquecimento. É, portanto, da maior importância o trabalho realizado por Svetlana Alexievich que, com uma mestria que jamais havia conhecido e num género literário, para mim, completamente inédito, construiu uma obra-prima polifónica, um verdadeiro monumento ao sofrimento e à coragem.

Só mais tarde, passados trinta anos, começaram a homenagear-nos... A convidar-nos para vários encontros... Mas nos primeiros tempos ocultávamos tudo, não usávamos condecorações sequer. Os homens usavam, as mulheres não. Os homens eram vencedores, heróis, moços casadoiros, eles tiveram uma guerra, para nós toda a gente olhava com outros olhos. Bem diferentes... Digo-te mais, arrebataram-nos a vitória. Trocaram-na discretamente pela simples felicidade feminina. Não partilharam a vitória connosco. Ressentíamo-nos... Não compreendíamos... Porque na frente os homens trataram-nos maravilhosamente bem, sempre nos tentaram proteger, não observei esta atitude com as mulheres na vida normal.

Este livro reúne um conjunto de relatos, ligados entre si de forma soberba, que nunca deverão ser esquecidos e que todos deviam conhecer, não se tratando de um relato de guerra em si, mas do que mulheres e homens viveram colectiva e individualmente. O medo, a fome e o frio que sentiram, o que os fazia sobreviver mais um dia, como foi aprender a matar e efectivamente fazê-lo? Que marcas ficaram, como é viver depois de ter experienciado um dos, se não o mais, marcante dos acontecimentos?

 

A Guerra não Tem Rosto de Mulher é de uma dureza perturbadora e tremendamente emocionante, faz-nos chorar pelo sofrimento cravado em cada página, mas também de orgulho pela coragem e pelas conquistas destas mulheres. Colmatou uma lacuna no meu conhecimento de uma forma arrebatadora e que jamais irei esquecer. Svetlana conquistou um lugar especial no meu coração e pretendo ler mais livros seus em breve.

Hoje penso: era preferível ter sido ferida numa perna ou num braço, para que só me doesse o corpo. Não a alma... A dor é grande. Fomos combater muito novinhas. Meninas. Até cresci durante a guerra. A mãe mediu-me em casa... Cresci dez centímetros...

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