Apenas Miúdos foi um daqueles casos em que não sabia quase nada sobre o livro, mas que pressenti que ia gostar pela conjugação escritora/título/capa. Já andava a adiar a sua compra há alguns anos e este ano não me escapou. Bendita a hora!
Fiz, ao todo, 32 anotações, pelo que se avizinha um post muito difícil de escrever: gostava de partilhar tudo o que anotei convosco, de modo a que possam entender a grandiosidade deste livro, mas vou tentar partilhar apenas o mínimo para que possam surpreender-se durante esta leitura e para não tornar este texto demasiado pesado. Ao longo de Apenas Miúdos somos conduzidos desde a infância de Patti Smith até à sua ida para Nova Iorque onde se desenrola a história deste livro, no entanto, apesar de a parte inicial ser apenas um caminho para mostrar como Patti chega até Nova Iorque e conhece Robert Mapplethorpe, a quem prometeu escrever sobre a história deles, antes deste morrer, em 1989, foi uma das minhas partes preferidas.
Achava consolo nos meus livros. Por estranho que pareça, foi Louise May Alcott que me ofereceu uma visão positiva do meu destino feminino. A Jo, maria-rapaz das quatro irmãs March no "Mulherzinhas", escreve para ajudar a sustentar a família, esforçando-se para garantir o sustento durante a Guerra Civil. (...) Ela deu-me coragem para um novo objectivo, e não tardou que andasse a confeccionar historietas e a provocar longos bocejos ao meu irmão e à minha irmã. A partir de então, acarinhei a ideia de que um dia haveria de escrever um livro.
Ansiava entrar na fraternidade dos artistas: a fome, a maneira como eles se vestiam, os seus processos e orações. Gabava-me de que um dia haveria de ser amante de um artista. Nada me parecia mais romântico ao meu jovem espírito. Imaginava-me como uma Frida para o Diego, tanto musa como obreira. Sonhava conhecer um artista para o amar, apoiar e trabalhar lado a lado.
Uma vez em Nova Iorque, Patti conhece Robert Mapplethorpe, com quem teve uma relação amorosa que mais tarde se consolidou numa amizade muito forte e bonita, graças às experiências e dificuldades que passaram nos tempos em que eram jovens, enquanto tentavam descobrir quem eram e que caminho seguir no mundo artístico. Ao lermos pelo que ambos passaram, permanecendo sempre unidos, mesmo nos momentos mais duros, compreendemos que este tipo de ligação irá durar para sempre, só poderia ser inquebrável. Este é um dos principais motivos pelo qual gostei tanto deste livro: deu-me fé.
Tínhamos o nosso trabalho e tínhamo-nos um ao outro. Não tínhamos dinheiro para ir ver concertos ou filmes, nem comprarmos discos novos, mas tocávamos repetidamente os que havia lá em casa.
Vivíamos do pão do dia anterior e do guisado de carne enlatado da Dinty Moore. Não tínhamos dinheiro para ir a sítio algum, não tínhamos televisão, nem telefone, nem rádio. Tínhamos o nosso gira-discos, e puxávamos o braço dele para trás de modo a que um determinado disco continuasse a tocar sem parar enquanto dormíamos.
Mais tarde, percorremos o caminho que levou ambos até ao icónico Hotel Chelsea onde tanta gente escrevera, conversara e convulsionara naqueles quartos de casa de bonecas vitoriana. (...) Tantas almas em trânsito se haviam ali desposado, deixado marcas e sucumbido. Eu cheirava o espírito deles enquanto saltitava silenciosamente entre um andar e outro, ávida por debater com uma já desaparecida procissão de lagartas fumadoras. Ler sobre aqueles tempos é uma experiência soberba, na medida em que Patti e Robert privavam com nomes incontornáveis do mundo artístico do final dos anos 60, como Janis Joplin e Jimi Hendrix, e frequentavam os mesmos espaços onde antes ou naquela época frequentaram Dalí, Bob Dylan, Warhol, etc. Enquanto Patti explorava o desenho, a poesia e, mais tarde, a música, Robert inclinava-se claramente para as artes plásticas, destacando-se na fotografia.
O Bob Dylan tinha entrado no clube. Essa noção teve um estranho efeito sobre mim. Em vez de me tornar mais humilde, senti um poder, porventura o dele; mas senti também o meu próprio valor e o valor da minha banda. A mim pareceu-me uma noite de iniciação, em que tive de tornar-me plenamente eu mesma na presença daquele que sempre me havia servido de modelo.
Este livro termina descrevendo algo que já sabemos desde o início: a morte de Robert Mapplethorpe, diagnosticado com SIDA em 1986. Nesta época, Patti já está casada com Fred Smith e tem dois filhos. Ler o que Patti escreve sobre os últimos tempos de Robert, repletos de sofrimento, a relação umbilical que mantinham e a consciência que tinham de que o fim de Robert estava demasiado perto que era quase possível tocá-lo é dilacerante. Chorei bastante nas páginas finais e terminei o livro entre lágrimas e soluços, imaginando a dor de Patti Smith, primeiro naquela época e, depois, ao colocar tudo por escrito neste livro, já em 2010, antes dos 21 anos da morte de Robert.
Ao ler Apenas Miúdos, tornamo-nos tão próximos destas duas pessoas extraordinárias, que é impossível ficar indiferente a esta história tão real. É esta a beleza dos livros de não-ficção.