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Mais Mulheres Por Favor

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04
Mar19

[LIVROS] | A Elegância do Ouriço

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A Elegância do Ouriço foi uma das leituras que mais me cativou nestes primeiros dois meses de 2019. Ajudou-me a atravessar uma fase de algum nervosismo e ansiedade, com muita leveza e humor, filosofia e inteligência. Não sei se o facto de estar escrito em português do Brasil reforçou todas as características que referi anteriormente, ou se teria gostado ainda mais dele se tivesse lido a edição de Portugal, contudo, o que importa aqui referir é que foi uma das leituras preferidas do ano e que lhe dei pontuação máxima.
 
Depois de ter lido outras opiniões no Goodreads, constatei que é um livro muito pouco consensual, ao contrário do que imaginava. Ainda assim, compreendi que o que mais desagrada à maioria dos leitores, é precisamente aquilo que mais me cativou neste livro. As personagens principais deste livro são Renée, porteira de 54 anos, e Paloma, de 12 anos, uma das habitantes do prédio do qual Renée é porteira, e este passa-se em França. Cada uma delas, à sua maneira, revela uma inteligência mordaz e uma capacidade de nos fazer reflectir sobre tantas questões do dia-a-dia com um olhar mais filosófico, mas sempre carregado de humor. Diversas foram as vezes que dei por mim a rir, imaginando o caricato da situação descrita ou transpondo o que estavam a descrever para o meu quotidiano.
O problema é que os filhos acreditam nos discursos dos adultos e, ao se tornar adultos, vingam-se enganando os próprios filhos. "A vida tem um sentido que os adultos conhecem" é a mentira universal em que todo mundo é obrigado a acreditar. Quando, na idade adulta, compreende-se que é mentira, é tarde demais. O mistério permanece intacto, mas toda a energia disponível foi gasta há tempo em atividades estúpidas. Só resta anestesiar-se, do jeito que der, tentando ocultar o fato de que não se encontra nenhum sentido na própria vida e enganando os próprios filhos para tentar melhor se convencer.
 
A trama gira em torno do facto da porteira ser uma mulher muito culta, por autodidatismo, algo que tenta disfarçar a todo o custo dos habitantes do prédio, até ao dia em que um novo habitante, um homem japonês, denota o seu conhecimento sobre Dostoievski, mais propriamente, sobre Anna Karénina, através da célebre abertura deste clássico russo. Deixo também um destaque especial para o final do livro, que me surpreendeu bastante, e para a personagem Manuela Lopes, a amiga portuguesa de Renée, que contribui imenso para a beleza deste livro.
Sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes.
 
22
Fev19

[LIVROS] | A Minha Prima Rachel

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Daphne Du Maurier era uma das lacunas na minha estante por colmatar há mais tempo. Desde o início que estava inclinada para adquirir Rebecca, contudo, acabou por ser A Minha Prima Rachel o escolhido. Foi a primeira leitura do mês de Fevereiro e uma agradável surpresa.
 
Já tinha saudades de ler um romance deste género, com todos os aspectos culturais e sociais típicos de Inglaterra (de outros tempos) e uma forte carga dramática familiar. A escrita de Daphne Du Maurier é muito envolvente e o clima de suspense e mistério em torno de Rachel tornam a leitura muito entusiasmante, na ânsia de tentarmos perceber o que motiva realmente esta mulher. Outro aspecto que me cativou foi a caracterização dos personagens, apesar de não ter adorado nenhum deles, são muito ricos e dão força e dimensão ao enredo.
 
Uma das minhas partes preferidas tem lugar logo no início do livro, quando Philip recorda o seu primo Ambrose e o papel que este teve na sua educação e crescimento. Quando envelhece, Ambrose, devido a problemas de saúde, passa grandes temporadas do ano em locais com um clima menos agressivo que o da Cornualha, e, numa estadia em Itália, acaba por casar-se com Rachel. Relativamente pouco tempo depois, sem nunca ter regressado à Cornualha, Ambrose morre e tudo o que Philip recebe durante este período de tempo são raras cartas que demonstram o declínio de Ambrose e o crescimento da sua desconfiança por Rachel. As circunstâncias desta morte são pouco claras e Philip sente que tem de vingar a morte de Ambrose, desenvolvendo um ódio visceral pela prima Rachel. A trama adensa-se quando Rachel aparece, umas semanas mais tarde, na propriedade que Philip herdou de Ambrose.
 
Apesar da qualidade narrativa e do mistério que nos acompanha até ao final, considero que, a dado momento, Philip se tornou muito repetitivo (a parvoíce tem limites, mesmo quando se tem apenas 24/25 anos), algo que me aborreceu a dado momento, mas que acabou por ser ultrapassado devido a um desenvolvimento no enredo. Creio que é uma daquelas histórias que dificilmente se esquecerá, mas este não se tornou um dos livros preferidos da vida, ao contrário das minhas (elevadas) expectativas. Apesar disso, não posso deixar de recomendar esta leitura e quero, sem dúvida, ler mais obras de Daphne du Maurier.
 
Livro escolhido para o projecto Uma Dúzia de Livros, da Rita da Nova.
 
04
Fev19

[LIVROS] | Vox

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Vox, de Christina Dalcher, é uma distopia feminista que nos coloca nos Estados Unidos da América, onde as mulheres têm direito a verbalizar apenas 100 palavras por dia, contabilizadas por uma pulseira. Quando chegam às cem palavras são electrocutadas pela própria pulseira e à medida que ultrapassam o limite diário de palavras verifica-se o mesmo com a intensidade do choque.

 

Gosto particularmente de distopias porque nos fazem reflectir sobre quão longe poderemos estar de que se concretizem na vida real. Tendo em conta o nosso passado de silenciamento e a crescente onda de revolta, é natural que se receie uma nova revolução social, voltando o homem a estar no comando e a mulher completamente silenciada. Não é difícil imaginar como seria passarmos da liberdade de expressão que dispomos actualmente no nosso dia-a-dia, no trabalho, em casa, na rua, para um quase total silêncio. Abreviar frases de modo a usar o menor número de palavras possível, responder a questões abanando apenas a cabeça, voltar ao papel de dona de casa, uma vez que todas as mulheres perderam o direito de trabalhar, juntamente com a sua voz. Se pararmos um pouco para reflectir e nos recordarmos das pessoas com visões sociais e políticas muito pouco igualitárias que se encontram à frente de diversos países actualmente, tudo isto ganha dimensões palpáveis e concretizáveis, sobretudo quando as imaginamos associadas a um poderoso fundamentalismo religioso.

 

Vox apresenta-nos, portanto, um cenário altamente provável e tremendamente assustador. Gostei muito da forma como, em diversos momentos, me fez equacionar de que forma a minha vida mudaria ou como reagiria (ou não) face a divergências familiares quotidianas. Outro aspecto importante de reflexão prende-se com a educação de um filho e de uma filha num período como este. Seria árduo em ambas as situações porque apenas teríamos cem palavras diárias para o fazer, mas, no segundo caso haveria a preocupação acrescida de fazê-la compreender, desde muito pequena, que não pode pronunciar mais de 100 palavras por dia. Adicionalmente, quais as possíveis repercussões que uma restrição deste genéro poderia ter na nova geração de mulheres, em termos linguísticos?

 

A figura central de Vox é Jean, neurolinguista conceituada, mãe de três rapazes e de uma rapariga, que se vê afastada do seu trabalho e de si própria, a braços com a mudança de comportamento dos filhos (resultante das alterações educativas que este regime impôs) e com o futuro da filha. É através dela que temos conhecimento do que se passa naquele país e de como o futuro se prevê ainda mais assustador e limitativo.

 

O ritmo deste livro, que devorei rapidamente, e as questões que levanta agradaram-me bastante, contudo, fiquei um pouco desiludida com a intriga amorosa e o desfecho. Imaginava um final em aberto, prolongando-se o peso que este género de distopia coloca tipicamente sobre nós. Ainda assim, creio que irá fazer as delícias de quem é fã de distopias e thrillers, sobretudo entre os mais jovens. Estou ansiosa para falar sobre ele no Net Book Club.

 

Livro cedido pela editora, à venda a partir de hoje.

 

30
Jan19

[LIVROS] | Eliete

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Dulce Maria Cardoso é uma das escritoras portuguesas mais aclamadas actualmente, da qual já havia lido O Retorno (2013), tudo são histórias de amor (2014) e O Chão dos Pardais (2009), por esta ordem. Recomendo sempre de olhos fechados O Retorno, um dos meus livros preferidos da vida; tudo são histórias de amor partiu-me o coração em pedaços; O Chão dos Pardais não mexeu tanto comigo, mas o amor por Dulce Maria Cardoso já estava mais do que consolidado na época em que o li. Na Feira de Natal da Tinta-da-China, tive a sorte de encontrá-la e pedir-lhe uma dedicatória no seu mais recente livro, Eliete.
 
Não li a sinopse nem as críticas deste livro antes de o ler, apenas sabia que tinha sido incluído em várias listas de melhores livros do ano, em diversos jornais/revistas. Tinha saudades de ler esta autora e acabei por não adiar muito esta leitura, algo em Eliete me atraía magneticamente. Não estava à espera que o registo deste livro fosse tão moderno, Eliete tem pouco mais de quarenta anos, é casada, tem duas filhas e trabalha numa imobiliária. A acção deste livro tem como pano de fundo Cascais e passa-se ao longo do ano de 2016, havendo mesmo uma parte dedicada à final do Euro em que, graças ao Éderzito, fomos campeões europeus de futebol. Gostei da actualidade deste livro e do tom cómico-trágico de Eliete, outro facto que confere maior dimensão a este livro é o declínio mental da sua avó e tudo a que isso dará origem.
 
Apesar dos pontos que referi acima, houve duas coisas que não me fizeram dar cinco estrelas a este livro. Em primeiro lugar, o momento de viragem na atitude e postura de Eliete, sensivelmente a meio da narrativa, que julgo arrastar-se demasiado e que faz esmorecer um pouco o entusiasmo da parte inicial. O segundo aspecto prende-se com o "desaparecimento" da mãe de Eliete nos dois terços finais do livro, fiquei um pouco desiludida que, após um início tão tenso entre ambas, não houvesse uma continuação da relação entre ambas nos meses que se seguiram.
 
Feito o balanço, há que acrescentar que adorei voltar a ler Dulce Maria Cardoso e que estou realmente ansiosa pela segunda parte de Eliete que, segundo consta, será publicada ainda este ano.
 
Não queria a balbúrdia da festa lá fora, não queria o sossego da solidão cá dentro, mas como é que podia dizer, sem me sentir ridícula, ao Marco, ao mundo, ao Jorge, a mim, que queria ser amada, como é que podia dizer, dizer-nos, bem alto, Sim, sim, quero ser amada, sim, quero uma tempestade, mas uma tempestade a proteger-me do mundo, quero ser o olho do furacão, a calma em torno da qual tudo se agita, quero ser causa e consequência do que se passa à minha volta, quero não estar parada, caminhar com a previsibilidade incerta dos temporais, quero a brutalidade do que é efémero em vez da eterna compostura sólida de planetas que gravitam, quero não estar a banhos no vaivém monótono de dias e marés. Sim, era isso. Queria, acima de tudo, não ter de pensar aqueles disparates. Queria ficar sóbria e não ser triste.
 
Livro escolhido para o projecto Uma Dúzia de Livros, da Rita da Nova.
25
Jan19

[LIVROS] | Fica Comigo

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Fica Comigo, de Ayòbámi Adébáyò, foi uma das novidades da rentrée literária de 2018 que mais me chamou a atenção na época. Tenho por hábito acompanhar de perto as novidades da Elsinore, porque muitos dos seus livros se tornaram preferidos da vida (assim de repente, recordo-me de Yoro e A Guerra não Tem Rosto de Mulher), e com Fica Comigo não foi diferente, a capa e a sinopse deram-me o impulso final para o adquirir.

 

Este livro passa-se na Nigéria, desde os anos 1980 até, praticamente, à actualidade, e aborda a temática da infertilidade, que, embora seja transversal à humanidade, toma contornos muito particulares nesta cultura, bastante distintos daqueles que conhecemos no "mundo" ocidental. Há também um contexto histórico muito forte que vamos acompanhando à medida que os anos passam nesta narrativa. Tinha muita curiosidade em relação à forma como Ayòbàmi Adébáyò iria explorar esta temática, bem como relativamente aos contornos da história propriamente dita, e fiquei muito surpreendida com a qualidade da escrita da autora, bem como do enredo em geral.

 

O início de Fica Comigo é muito intenso, fiquei imediatamente cativada e sofri juntamente com a protagonista, Yejide. Todos fazemos ideia, de alguma forma, da dor que um casal experiencia num contexto de infertilidade, um loop de esperança seguida de desilusão, a tristeza, o desespero e a irracionalidade, tudo misturado num cocktail que, facilmente, pode ser explosivo. Na cultura nigeriana, toda esta tempestade de emoções é ainda mais notória, já que, a título de exemplo, é habitual um homem ter várias mulheres e, naturalmente, filhos dessas mesmas mulheres, além disso, é muito importante que um homem tenha vários filhos, se forem homens, melhor ainda. Devido à ausência de uma gravidez, Yejide vê-se a braços com o aparecimento de uma segunda mulher para Akin, o seu marido.

 

Creio que, a certo momento da leitura de Fica Comigo, vamos pensar que esta história tem reviravoltas a mais, mas, tendo em conta a cultura onde se insere e os sentimentos que unem os personagens, confesso que isso não me afectou muito, senti-me transportada para aquela realidade e tudo me pareceu bastante plausível, contudo, esta componente mais de "novela" faz, na maioria das vezes, cair a tão importante quinta estrela, tal como aconteceu comigo. Ainda assim, adorei esta leitura e o desfecho da história, pretendo ler mais obras de Ayòbàmi Adébáyò.

Muros coloridos iam-me cercando por todos os lados. Tentava empurrá-los, mas os muros eram de cimento e aço. Eu era apenas carne e míseros ossos.

 

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