[LIVROS] | O Poder
Há quase um ano publicava a opinião de A História de Uma Serva, de Margaret Atwood, uma distopia que proporciona uma reflexão muito oportuna sobre os direitos das mulheres num futuro que parece ainda muito distante: uma crise na continuidade da espécie humana, devido à poluição e escassez de recursos, que faz das mulheres meros instrumentos de reprodução, mas que, ainda assim, nos deixa a pensar, e se? Este ano, não consegui evitar adquirir O Poder, de Naomi Alderman (que foi a leitura de Setembro para o Net Book Club, da Cláudia), também uma distopia fortemente relacionada com as mulheres, mas onde estas adquirem uma posição oposta, em vez de subjugadas, têm um poder que lhes permite fazer frente a quem as ameace, ou não.
Em termos distópicos, O Poder assenta numa ideia excelente, mas que, analisando em perspectiva, tem algumas falhas e podia ter sido muito melhor explorado. A temática e o universo deste livro fizeram dele uma leitura entusiasmante de férias, li-o freneticamente num par de dias, e que dificilmente esquecerei (desconheço se está para breve uma série, mas espero sinceramente que sim). Resumidamente, há um momento, em que algumas mulheres jovens se apercebem que conseguem emitir descargas eléctricas das palmas das mãos, devido a uma meada que possuem na zona da clavícula. Assim, sempre que se vêem numa situação em que estão a ser, de alguma forma, abusadas, conseguem defender-se. Apesar de apenas as mulheres jovens terem nascido com esta capacidade inata, estas conseguem transmiti-la às mulheres mais velhas. Naturalmente, este poder passa a ser usado não apenas para legítima defesa, mas como arma intimidatória e com potenciais fins bélicos.
A narrativa é contada em intervalos de tempo que percorrem dez anos e onde vamos acompanhando algumas personagens cujos destinos, de alguma forma, se vão interligar. Assistimos, primeiro, ao receio e desconfiança perante este poder, depois, às primeiras medidas que são tomadas e que se mostram ineficazes devido à crescente transmissão do poder, ao treino e à aprendizagem, e, por fim, ao domínio a nível político, social e religioso. Ao longo desta distopia, verificamos como se dá uma inversão nos papéis de dominador e dominado, de uma forma bastante expectável, mas que não deixa de ser interessante de acompanhar.
Apesar do papel dominante da mulher, do que esta faz com o poder, e da evolução sociológica que se vai verificando ao longo do livro, creio que esta ideia poderia ser ainda mais impactante se as personagens tivessem outro relevo. Não me senti fortemente ligada a nenhuma delas, salvo uma excepção, e que, curiosamente, era um homem. Senti falta de mulheres com uma construção mais sólida e que houvesse uma evolução mais notória das personagens já que, ao longo dos dez anos em que se passa este livro, as personagens estão praticamente idênticas ao início e, talvez por isto, sintamos pouca empatia com elas, o que acaba por quebrar a ligação com o livro. Ainda assim, recomendo a leitura a jovens e adultos, porque levanta, realmente, questões muito importantes e que são cada vez mais relevantes nos nossos dias.