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Mais Mulheres Por Favor

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15
Jan19

[LIVROS] | Rua Katalin

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Depois da leitura impactante que foi A Porta, as expectativas para ler outro livro de Magda Szabó eram elevadíssimas. É ainda frequente lembrar-me da personagem central, Emerence, e ficar cheia de vontade de o ler novamente, só para recordar certos pormenores. Estava, naturalmente, com alguma esperança de encontrar outra personagem marcante em Rua Katalin, mas, racionalmente, preparada para que tal não acontecesse. Depois de ter lido este segundo livro, percebi que quero continuar a ler outros livros de Magda Szabó que sejam, de futuro, publicados em Portugal, mas tenho de confessar alguma desilusão. É bom, mas ficou um pouco aquém das expectativas, provavelmente por tê-lo comparado em excesso com A Porta.
 
Começando pelo melhor deste livro, gostei muito da estrutura e da diversidade de personagens, de três famílias diferentes. Na primeira página constam os nomes de todas as personagens, organizados por família e relações dentro de cada família, seguindo-se uma pequena abertura do romance, que me deixou deslumbrada. De seguida, num curto capítulo, são-nos apresentados os vários lugares que irão surgir ao longo do livro propriamente dito, mas onde já temos um pequeno vislumbre das diversas personagens (ao qual voltei no final da leitura). Finalmente, temos um conjunto de capítulos (Datas e Episódios), apresentados por ordem cronológica, com os acontecimentos que afectaram as três famílias, entre 1934 e 1968 (nomeadamente, 1934, 1944, 1952, 1956, 1961 e 1968). Acompanhamos as relações que se desenvolvem entre as crianças Irén, Blanka, Henriette e Bálint, mais tarde jovens e adultos, cujas famílias vivem na Rua Katalin, em Budapeste.
 
Como é natural, há uma forte componente deste livro que está associada à Segunda Guerra Mundial e à ocupação alemã da Hungria em 1944, e o peso destes acontecimentos no ambiente e personagens deste livro é muito significativo. Durante a maior parte do livro senti como se estivesse envolvida numa aura negra e depressiva, o que denota, mais uma vez, a qualidade da escrita de Szabó.
Depois de ter voltado do campo de prisioneiros, na casa dos Elekes onde morava e também no seu posto de trabalho, o que percepcionava não era o quarto onde vivia, a banheira onde tomava banho, os doentes que tratava, a cama confortável em que dormia, mas os estigmas do campo de prisioneiros. Quando administrava uma injecção, tinha a sensação de estar a cavar uma trincheira; quando estava sozinho em casa, corria à casa de banho porque sabia que o tempo que podia passar na latrina era limitado, e quando podia ter dormido tranquilamente, a rotina do despertar matinal do campo tirava-lhe o sono.
 
Ainda assim, o que referi anteriormente não foi suficiente para criar verdadeiros laços com estes personagens, provavelmente por acompanharmos episódios muito pontuais das suas vidas e ter ficado muito por escrever (embora creio que propositadamente). Por este motivo, e também, tal como referi antes, devido às comparações que fui estabelecendo entre ambos os livros ao longo desta leitura, algo ficou em falta para que, este segundo, me cativasse por completo, contudo não posso deixar de recomendá-lo, sobretudo pela originalidade e pela forma como Magda Szabó nos conduz ao longo de vários anos por esta rua e pelos seus habitantes.
 
27
Dez18

[LIVROS] | As Melhores Leituras de 2018

Este ano literário foi muito estável em qualidade - yeah! -, mas bastante descontrolado em aquisições - nada de novo neste aspecto, portanto. 
 
Em relação às leituras, de um total de 50 livros lidos, houve muitas surpresas - quase sempre boas -, vários favoritos da vida e poucas desilusões. Li muitas autoras pela primeira vez e consolidei paixões. Dos meus preferidos, quase todos são de autoras contemporâneas, algo que me deixa feliz, mas ligeiramente preocupada. Creio que é realmente importante que os livros contemporâneos não nos passem ao lado porque alguns deles serão, certamente, considerados clássicos daqui a dezenas de anos e, logicamente, aí já não estaremos vivos para os lermos, e porque estas autoras merecem sentir o reconhecimento que lhes é devido (elogios fúnebres devem ser a excepção, não a regra), no entanto, não quero, de todo, descorar os clássicos. Assim, a principal meta para 2019 é tentar equilibrar um pouco melhor as leituras clássicas e contemporâneas, mas sem contrariar a minha vontade - não pretendo ler livros por obrigação. 
 
Quanto às compras, na Feira do Livro de Lisboa aproveitei para comprar livros publicados há mais tempo, e, ao longo do ano, fui-me desgraçando nas promoções nos livros com menos de 18 meses. Nesta altura do ano, impõe-se o discurso habitual de quem compra muitos livros: (colocar a mão no peito e jurar solenemente) No próximo ano vou comprar menos livros e ponderar mais antes de cada compra. Aliás, em 2019, apenas comprarei livros na FLL!
 
A caminho dos 29 anos e depois de muitos livros comprados, consigo agora dizer, em modo Livrólicos Anónimos: Olá, o meu nome é Alexandra e, a menos que tenha sérias dificuldades financeiras no próximo ano, pretendo continuar a sustentar, dentro das minhas humildes capacidades, o mercado editorial português e a secção de estantes do IKEA. Sim, este ano estou a tentar fazer uso do discurso invertido, já que nada mais parece resultar e porque, sinceramente, já me preocupei mais com este tema. 
 
Feito o discurso, deixo abaixo a gloriosa lista das melhores leituras de 2018. Não foi tarefa fácil porque os favoritos estão realmente muito equilibrados e foi difícil estabelecer uma ordem (ainda tenho dúvidas, confesso), por vezes, tive mesmo de colocar dois livros na mesma posição tal era a indecisão, por isso não se fixem muito na posição dos livros na lista, mas nos livros em si.
Deixo também duas perguntas: Quais foram os melhores livros que leram este ano? Qual será a vossa primeira leitura de 2019?
 

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1. Raposa, Dubravka Ugresic - uma das últimas leituras do ano, mas que foi uma espécie de cereja no topo do bolo. Muito completo e diversificado para que possa ser descrito em palavras.


2. A Porta, Magda Szabó - Emerence foi a personagem mais marcante do ano e isso basta.


3. Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva, Maggie O'Farrell - ainda me sinto a sufocar quando penso neste livro. Um conjunto de experiências em que a vida da autora esteve, de alguma forma, em risco. Perfeito na sua catástrofe, maravilhosa celebração da vida.


4. Viva México, Alexandra Lucas Coelho - ainda não conhecia o registo de viagens de Alexandra Lucas Coelho e comecei da melhor forma. Impossível não nos encantarmos, preocuparmos e emocionarmos com esta viagem ao México.

 

5. Meio Sol Amarelo, Chimamanda Ngozi Adichie - um livro imperdível sobre a história de luta do Biafra. Apesar da violência extrema, há sempre um registo sereno e onde habita o amor, tão característico de Chimamanda.

 

5. (ex aequo) Mrs Dalloway, Virginia Woolf - releitura que queria fazer há muito. Domínio magistral da técnica do fluxo de consciência, com temas ainda tão pertinentes actualmente, como a doença mental, o suicídio, a existencialidade e o feminismo.

 

6. O Nervo Ótico, María Gainza - Como resistir a um livro que combina história da arte com crónica íntima, realidade com ficção? Uma viagem pela história da arte e por nós próprios.


6. (ex aequoO Livro de Emma Reyes, Memória por Correspondência - a infância da pintora colombiana Emma Reyes é narrada ao longo de vinte e três cartas escritas pela própria, dirigidas ao seu amigo Germán Arciniegas. Uma história de vida imperdível.

 

7. Uma Educação, Tara Westover - é impossível ficar indiferente a uma família tão fora do comum. Outra história de vida incrível, escrita na primeira pessoa, que todos precisamos de conhecer.


8. Ema, Maria Teresa Horta - reúne tudo o que mais amo em Maria Teresa Horta - é visceral, louco, apaixonado -, foi tão bom voltar.

 

9. Mulheres Viajantes, Sónia Serrano - as pioneiras, as que foram até ao Oriente, as que exploraram África, as que percorreram o mundo, as que viajaram para se descobrirem e as contemporâneas. Mulheres cuja história e feitos devem ser do conhecimento geral.

 

10. Bandolim, Adília Lopes - ler Adília Lopes é como regressar a casa. Um conforto e uma alegria sem comparação.


11. A Praia de Manhattan, Jennifer Egan - maravilhosa história com uma perspetiva muito particular da Segunda Guerra Mundial e da Nova Iorque dessa época.

 

12. Frida Kahlo: Uma Biografia, María Hesse - a edição mais bonita da minha estante. Uma história contada de forma muito bela e delicada, com ilustrações de fazer perder a cabeça e algumas entradas do diário da icónica e enigmática pintora mexicana.

 

12. (ex aequo) Portuguesas com M Grande, Lúcia Vicente e Cátia Vidinhas - porque precisamos de conhecer melhor os nomes e a história das mulheres portuguesas que nunca se vergaram e que foram pioneiras em muitos aspectos. Passado e presente de mãos dadas de forma verdadeiramente inspiradora.

 

23
Mar18

[LIVROS] | A Porta

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A escritora húngara Magda Szabó criou uma verdadeira obra-prima do século XX. Já adivinhava a qualidade de A Porta (editado pela Cavalo de Ferro, o Prémio Fémina, as críticas...), mas este livro conseguiu superar as minhas expectativas e surpreender-me. Demorei algum tempo a escrever esta opinião e, neste preciso momento, ainda não tenho a certeza de como vou expôr o que penso sobre este livro e o que me fez sentir, tal foi o seu impacto.

 

É intenso, humano, um novelo que vamos desvendando a cada página, apesar de já sabermos de antemão que a narradora se considera culpada pela morte de Emerence. A Porta foca-se na relação entre duas mulheres, a narradora, Magda, uma escritora que se viu impedida de publicar pelo regime durante vários anos, mas que subitamente volta ao activo (vários são os paralelismos entre a narradora e a própria autora), e Emerence, a sua mulher-a-dias durante cerca de vinte anos.

Hoje, sei o que então ignorava, que não podemos exprimir os afectos de uma forma adquirida, canalizada, articulada, e que não posso determinar a sua forma no lugar de quem quer que seja.

Emerence é uma mulher peculiar, tem uma força incrível apesar da sua idade avançada, trabalha em diversas casas e como porteira, realizando tarefas árduas como ninguém, sem um queixume. Apesar de ser analfabeta e de não ter qualquer interesse pela cultura, religião ou política (para ela, qualquer profissão que não envolva esforço físico não é digna desse nome), Emerence não deixa que ninguém se atravesse no seu caminho, é ela que escolhe os patrões e não o oposto. Ninguém está autorizado a entrar na sua casa e há um grande mistério em torno do que há dentro da sua casa em consequência dessa restrição.

 

Por detrás de uma máscara de rudeza, provocação e intransigência, existe uma tragédia pessoal a vários níveis, que vamos descobrindo aos poucos, à medida que Emerence vai baixando a sua guarda e se vai criando uma forte ligação entre esta e Magda, apesar dos seus feitios divergentes. Penso que é tudo o que precisam de saber para se aventurarem nesta leitura surpreendente e muito rica

 

Fiquei fascinada com a escrita de Magda Szabó, um típico caso de primeiro estranha-se, depois entranha-se. No início, pareceu-me um pouco fechada, difícil de penetrar, mas habituei-me a esta com relativa facilidade e rapidez, de tal modo que se tornou adictiva. Confesso que me foi difícil abandoná-la e partir para outras leituras, porque o meu cérebro como que se moldou àquela escrita com subtilezas deveras interessantes que adorava saber explorar melhor neste texto, tivesse eu formação académida para tal. Além de me ter identificado muito com a escrita, recomendo-o sobretudo pelo seu conteúdo.

Não respondi e continuei a bater à máquina, embriões de frases incompreensíveis nasciam-me debaixo dos dedos nervosos.

 

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