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23
Nov18

[LIVROS] | Ringue

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O Projecto Ler Poesia tem estado em ponto morto nesta segunda metade do ano, mas não está esquecido. Em Setembro, houve tempo para ler um pequeno livro da colecção "Inéditos", do Expresso, da autoria de Matilde Campilho. Há um par de anos quando li Jóquei, gostei, mas não amei, pelo que estava com vontade de tirar a teima com este RingueNão sei se foi do clima do verão, das férias, da praia e da piscina, mas adorei os poemas deste livro. Dei por mim a lê-los uma e outra vez, tal foi o meu amor, para os interiorizar. Deixo abaixo o meu preferido.

Strand

Algumas vezes

mesmo quando faz sol

e pouco vento e

os reflexos das coisas

desenham objetos

multiformes sobre as

calçadas extraordinárias

da minha cidade

Mesmo assim às vezes

em certos sábados

eu dou por mim trepando

muito devagar o escadote

da memória ou da imagem

Levanto um dedo indicador

e de repente meu corpo

está junto à estante stereo

Vinte e sete centímetros

acima do chão americano

e à minha frente o abismo

Aquele transformador abismo

onde crescem e se reproduzem

as cabeças multiformes

Meu corpo está de novo

na frente do corpo essencial

O corpo que nos ajudará

a ultrapassar o começo

deste século esfarrapado

Quero dizer, às vezes

Mesmo quando é sábado

e o meu país é o mais manso

e mais solar deste continente

que mergulha devagar

na escuridão do retrocesso

Eu regresso à livraria americana

esqueço a política americana

ou a feroz decisão americana

E me coloco de pé na frente

de O'Hara, Berger, Stein,

Bolaño, Carson, Amichai,

Didion, Arendt ou até O. Paz

Há muita luz a vir da estante

Pátria nenhuma a sobressair

Há aquela ideia enciclopédica

de Diderot que diz que devemos

reunir todo o conhecimento

acumulado à superfície desta terra

Para assim demonstrar o sistema geral

às pessoas com quem vivemos

E também transmiti-lo

àqueles que aqui ficarão

muito depois de nós

Para que o trabalho de séculos

e séculos não se torne inútil

nos séculos seguintes

Para que os nossos descendentes

sejam mais intruídos, mais

virtuosos e mais alegres

Sim, talvez este texto

seja demasiado longo

Ou este século demasiado duro

Talvez faça demasiado sol

sobre o meu corpo que insiste

no exercício da memória

Mas em certo sábados

desta época de transição

eu acho mesmo que

a força atlética mais eficaz

É aquela que nos leva

a percorrer com atenção

uma boa parte da literatura

Que nos antecede, que nos

é contemporânea, e cujo corpo

se deitará sobre o nosso corpo

quando todos os nossos corpos

forem finalmente a cinza branca

de uma antiga e ultrapassada era.

(para quem chegou até aqui, é lindo, não é?) Mais uma vez, à semelhança do que me aconteceu com outros livros que li nas minhas férias, fiquei com vontade de escrever, algo que ainda não me passou. Já tentei escrever um poema ou outro, mas acabei sempre por apagar tudo. O que mais gostei de escrever, apaguei sem querer no telemóvel (é lamentável não haver por lá um CTRL+Z, ou há e eu fui simplesmente burra?) e quase tive vontade de chorar. Se calhar foi um sinal do destino e aquilo não valia nada. Isto tudo para chegar a uma conclusão poética sobre a poesia: a beleza da poesia é isto mesmo, uns poemas não nos dizem nada, outros dizem tudo e são como um pequeno terramoto nas nossas vidas, fazem despertar em nós coisas que não julgávamos serem possíveis, pelo que é importante não desistir de certos poetas porque a primeira leitura não correu bem. Já vos aconteceu isto com algum poeta/poetisa? Já ficaram com vontade de escrever poesia depois de ler um livro de poemas? Vá lá, não me façam parecer um extraterrestre e partilhem as vossas histórias nos comentários.

 

31
Jul18

[LIVROS] | Vem à Quinta-Feira

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O livro escolhido para o #lerpoesia de Julho foi uma das compras da Feira do Livro, Vem à Quinta-Feira, de Filipa Leal, uma autora que ainda não tinha lido, mas que fiquei a conhecer através de alguns poemas publicados em diversas redes sociais, promovendo o livro. Como é hábito nas edições da Assírio & Alvim, esta é uma edição primorosa e muito bonita, e o único defeito que lhe podemos apontar é ser demasiado curta.

 

Como já adivinhava pelos poemas que fui lendo, identifiquei-me muito com a poesia da Filipa Leal e não conseguir prolongar a sua leitura por vários dias, li-o de seguida, lamentando não ter mais nada da autora para ler. Já investiguei algumas edições (Deriva Editores e Abysmo), nomeadamente O Problema de Ser Norte (2008), mas que se encontram esgotadas. A única que encontrei disponível foi Cidade Líquida & Outras Texturas (2006), mas a que faz mesmo bater o meu coração mais depressa é a que referi antes. Fica a nota para que a Assírio & Alvim reedite as suas obras - aqui têm uma fiel compradora.

 

A temática, os jogos de palavras e a naturalidade da poesia de Filipa Leal, bem como o poema dedicado a Herberto HelderOs Meus Primeiros Passos em Volta, neste Vem à Quinta-Feira (a propósito do poema Caranguejola, de Mário de Sá Carneiro), conquistaram-me definitivamente, pelo que me resta apenas deleitar-me com os poemas que surgem por aí e pelos livros que hão-de vir.

 

Para Aprender a Chorar

 

Juntaram no jantar de escritores

um crítico literário,

um poeta zen,

uma poetisa dada à música contemporânea,

uma produtora de espectáculos de fusão,

e eu.

 

Eu era, naturalmente, a mais alta representante da poesia

lamechas. Eu era a da voz grossa, a que lia poemas

deles pelas esquinas da cidade. Eu era a que fazia pausas

para o cigarro, a que não tinha companhia

para tanto mar, tanto frio, tantas interrupções de medo e nicotina.

 

Talvez alguém tenha falado de tristeza.

É um tema que me interessa.

 

Eu não sei chorar, disse. Nunca aprendi a chorar.

Aflijo-me. Fico com falta de ar.

Quero chorar muito mas acabo por chorar pouco

porque tenho medo de me engasgar e morrer.

 

Oh, riso geral.

Esta poeta lamechas é tão engraçada, tão dada

à auto-ironia, tão menos lamechas do que nós

pensávamos.

 

Nessa noite, chorei muito.

25
Jul18

[LIVROS] | Espelho Inicial

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Em 1960, Maria Teresa Horta estreia-se na poesia com um livro de poemas cujo título é bem elucidativo: Espelho Inicial. Uma vez que adquiri recentemente a sua Poesia Reunida, decidi ler este seu primeiro livro para o Projecto #lerpoesia do mês de Junho.

 

Conhecendo de antemão alguma da sua poesia (Anunciações e Poesis), foi com alguma estranheza que mergulhei neste Espelho Inicial. Raras foram as vezes que me senti confortável com as suas palavras, achei os poemas demasiado complexos e pouco fluidos para o meu gosto poético pessoal. Frequentemente me vi forçada a ler os poemas diversas vezes para compreender ou tirar algum significado dos mesmos e, mesmo assim, dificilmente alcancei o meu objectivo. 

 

Para a poesia funcionar comigo tenho de lê-la e captar logo alguma coisa, sentir uma palpitação apaixonada e, por vezes, relê-lo para interiorizar algo que me possa ter escapado na primeira leitura. No entanto, houve poucos momentos em que isso aconteceu com esta obra de estreia de Maria Teresa Horta na poesia. Reconheço-lhe a qualidade, mas comigo não funcionou tão bem quanto estava habituada, ainda assim, fiquei ainda mais curiosa para ler os próximos livros que compõem esta Poesia Reunida porque acredito que vá ser bastante interessante notar-lhe o crescimento e evolução poética.

 

Inquietação

quero-me inquieta

de sol

 

a intransigência da vida

penetrou-me

bastarda de mim mesma

 

noites incompletas

onde me exijo urgência 

25
Jun18

[PROJECTOS] | Ler os Nossos

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Este ano o projecto "Ler os Nossos" da Cláudia chega mais cedo e vai decorrer durante o mês de Julho. Como tem sido hábito, vou participar e já escolhi as minhas leituras, de modo a encaixar nos desafios criados para esta edição:

 

Um livro comprado recentemente

Vem à Quinta-Feira, de Filipa Leal - livro de poesia que comprei na Feira do Livro, que irá servir também para o projecto #lerpoesia de Julho.

 

Um autor português recomendado por alguém

Mulheres Viajantes, de Sónia Serrano - não foi uma autora recomendada, mas sim o livro em si, muito curiosa para saber mais sobre estas mulheres viajantes.

 

Um título que não te parece minimamente interessante, mas vais arriscar

Meninas, de Maria Teresa Horta - custou-me horrores incluir Maria Teresa Horta neste desafio, mas dei voltas e voltas à estante em busca de um livro que encaixasse minimamente e não encontrei nada - os títulos pesam muito no momento da escolha dos meus livros e é raro arriscar na compra de um livro com um título duvidoso. Este pareceu-me o livro com o título mais vago e simples que tinha na estante, mas sei que, definitivamente, não será um risco. Estou perdoada, pela batota e heresia?

 

Um livro que te custou uma pechincha

Uma Volta ao Mundo com Leitores, de Sandra Barão Nobre - comprado há cerca de um ano na Livraria Déjà Lu e que tenho estado a deixar de parte, a aguardar por este projecto.

 

21
Jun18

[LIVROS] | Varanda de Inverno

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Sou frequentemente tentada com novas publicações de livros poesia, especialmente pelos da Assírio & Alvim. Os títulos e as capas prendem-se à minha mente e todo o santo dia penso neles, namoro-os nas livrarias ou nos sites onde os posso comprar, cada foto ou artigo a publicitá-lo faz-me suspirar por ainda não estarem na minha posse. Ando nisto, dias, semanas, às vezes (muito poucas), meses, mas lá acabo por comprá-los e, inevitavelmente, lê-los em menos de um dia. Bem tento poupá-los, mas não consigo. É como se só pudesse comer um quadrado de chocolate ou uma pipoca. Não dá. O livro que escolhi para o projecto #lerpoesia de Maio foi um desses casos, amor à primeira vista e para lá do último poema.

 

Marta Chaves é psicóloga clínica e psicoterapeuta e já publicou diversos poemas e livros de poesia desde 2008, sendo Varanda de Inverno o primeiro publicado na Assírio & Alvim. Desconhecia por completo a sua poesia, mas identifiquei-me de tal forma com este título e com alguns poemas que vi publicados que não lhe consegui resistir por muito tempo. O meu sexto sentido poético não me falhou, devorei-o em poucas horas. Tenho um amor especial pelos poemas que gostaria de ter escrito, com que me identifico, que me fazem sorrir ou que me marejam os olhos, Varanda de Inverno tem isso tudo, pelo que será um livro para ir lendo ao longo da vida.

 

Muitos poemas marcados, livro com lugar especial no coração, espera paciente pela aquisição das obras antigas e pelas que hão-de vir: é disto que é feita a poesia.

 

Proporção Áurea

 

Chego ao campo e encontro

a transparência que me arrebata.

A paisagem sonora nada interrompe,

propaga-se pelo ar e regressa em eco.

 

O dia finda na debandada dos pássaros.

Durante a noite o fogo alimenta-me.

O vinho e a madeira dilatam,

indiferentes à estação.

 

Deitada na cama não me falta o ar.

Do céu vê-se a casa,

na casa o quarto,

dentro dele, eu.

 

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