[LIVROS] | Eu Matei Xerazade
Joumana Haddad é uma escritora e poeta libanesa, criadora da primeira revista erótica do mundo árabe - Jasad (corpo), motivos mais do que suficientes para querer saber mais sobre esta mulher. Este livro foi publicado em Setembro de 2017 e faz parte da Colecção Mulheres de Palavra, da Sibila, constituído por outros livros que também me deixaram muito curiosa, especialmente Só Acontece aos Outros - Histórias de Violência, de Mariana Antónia Palla.
Eu Matei Xerazade é um relato muito pessoal de Joumana, desde que nasceu até ao presente, onde nos conta que desde muito nova a insaciabilidade, insubordinação e autoconsciência foram três traços essenciais da sua personalidade. Algo que contribuiu para que estes traços perdurassem e ficassem para sempre associados à sua pessoa foi o facto de ter começado, desde muito nova, a ler os livros da biblioteca do pai, escritos em francês, sem qualquer filtro imposto por este. Joumana leu desde Marquês de Sade a Stendhal, Flaubert, Sartre, Camus, Beauvoir, Dostoiévski, Gogol, Nabokov, Kafka, Rilke, Pessoa, etc.
Adorava ler por muitas razões: lia para respirar; lia para viver (tanto a minha vida como a dos outros); lia para viajar; lia para escapar a uma realidade brutal; lia para abafar as explosões da guerra do Líbano; lia para ignorar os gritos dos meus pais, o seu dia-a-dia de discussões e sofrimentos; lia para alimentar a minha ambição; lia para ganhar forças; lia para afagar a minha alma; lia para esbofetear a minha alma; lia para aprender; lia para esquecer; lia para recordar; lia para compreender; lia para ter esperança; lia para planear; lia para acreditar; lia para amar; lia para desejar e para me excitar...
E lia, especialmente, para ser capaz de honrar a promessa que tinha feito a mim mesma de que, um dia, a minha vida seria diferente. (...)
Ao longo deste livro, Joumana tenta desconstruir as ideias preconcebidas que os ocidentais têm acerca da cultura oriental, ao mesmo tempo que coloca o dedo na ferida, referindo tudo o que ainda há por fazer no mundo árabe. Uma das coisas que mais me agradou em Joumana foi a sua postura optimista em relação ao futuro, indicando-nos uma lista enorme de mulheres árabes ensaistas, artistas, poetisas, realizadoras, entre outras. Este livro termina com um magnífico poema de oito páginas, uma tentativa de autobiografia.
Então porque é que escrevo poesia? Porque é que não escrevo romances, como muitos me perguntam? Porque "a poesia é a prova de que a vida não basta", como disse Fernando Pessoa. Porque a poesia é uma URGÊNCIA, uma história intensa, apaixonada, sem preliminares, que se adequa à minha alma impaciente. Porque ela é um infindável duelo entre eu e eu. Porque me ajuda a sentir-me viva. Porque é uma multiplicação da vida. Porque é a minha carne como eu gosto dela: sem a pela protectora.
Apesar de não ter concordado com todas as opiniões de Joumana, muitos mais foram os pontos de convergência, sobretudo porque acreditamos no mesmo: É mais do que tempo para que a mulher VIVA em vez de simplesmente suportar a vida, e que se liberte da imagem da vítima. Porque a mulher não é uma vítima, e deveria parar de se ver e de se projectar como uma vítima. Ela precisa de se aceitar e amar. Recomendo esta leitura, no entanto, queria salientar que fiquei com pena de todos os temas terem sido abordados de forma superficial, as 166 páginas deste livro facilmente se poderiam transformar em 300 ou 400 dada a riqueza da vida da autora.
Se eu tivesse (ainda posso vir a ter) uma filha (os meus dois maravilhosos filhos fogem dos livros como da peste), oferecer-lhe-ia, no seu décimo segundo aniversário, esses volumes tão esclarecedores como perturbantes. É um dos conselhos que dou às mulheres que me pedem orientações, tomando o meu entusiasmo desenfreado por uma espécie de sabedoria de guru: livros, respondo-lhes.