[LIVROS] | Inverno
Deus estava morto: para começar.E o romance estava morto. A cortesia estava morta. A poesia, a prosa, a pintura, todas elas estavam mortas, e a arte estava morta. O teatro e o cinema estavam ambos mortos. A literatura estava morta. O livro estava morto. O modernismo, o pós-modernismo, o realismo e o surrealismo estavam todos mortos. O jazz estava estava morto, a música pop, a música disco, o rap, a música clássica, mortos. A cultura estava morta. A decência, a sociedade, os valores familiares estavam mortos. O passado estava morto. A História estava morta. O Estado-providência estava morto. A política estava morta. A democracia estava morta. O comunismo, o fascismo, o neoliberalismo, o capitalismo, todos mortos, e o marxismo, morto, o feminismo, morto também. A correção política, morta. O racismo estava morto. A religião estava morta. O pensamento estava morto. A esperança estava morta. A verdade e a ficção estavam ambas mortas. Os media estavam mortos. A Internet estava morta. O Twitter, o Instagram, o Facebook, o Google, mortos.O amor estava morto.A morte estava morta.Muitas coisas estavam mortas.[...]
[...] Muitos dos meus velhos amigos estão na Grécia, os teus amigos terão certamente interesse em sabê-lo. Faço-te uma lista de nomes, se quiseres. Diz aos teus amigos que uma certa experiência na arte de criar sítios para as pessoas viverem ou dormirem a partir do nada lhes será útil. Diz-lhes também que há lá montes de jovens, jovens enérgicos, jovens que terão certamente todo o interesse em incluí-los nos seus ficheiros.Nenhum dos meus amigos teria o mais pequeno interesse em nada disso, disse Sophia.Diz-lhes por mim, disse Iris, como é a realidade lá. Diz-lhes que as pessoas estão numa situação muito má. Fala-lhes das pessoas cuja vida é a única coisa que lhes resta. Fala-lhes daquilo que a tortura faz a uma vida, daquilo que faz a uma língua, de como aqueles que por ela passaram não ousam explicar a si mesmos, quanto mais aos outros, o que lhes aconteceu. Fala-lhes do que é a perda. Fala-lhes, sobretudo, das crianças pequenas que lá chegam. Crianças pequenas. Centenas de crianças pequenas. De cinco e seis e sete anos.Iris disse-o com a sua calma habitual.E depois de lhes dizeres tudo isso, disse, fala-lhes de como é voltar para aqui enquanto cidadão do mundo que trabalha com todos os outros cidadãos do mundo e ouvir que não se é cidadão de lugar nenhum, ouvir dizer que uma primeira-ministra britânica equiparou o mundo a lugar nenhum. [...]