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09
Jan19

[LIVROS] | Uma Educação

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Livros de não-ficção são, cada vez mais, uma das minhas prioridades literárias. Já li diversas vezes por aí que "a realidade supera a ficção" e não podia concordar mais. Sem desmérito para a ficção, a vida real oferece também inúmeras possibilidades, com o bónus de ser mais impactante (afinal, aconteceu!) e de potenciar ainda mais a reflexão (afinal, aconteceu!). Depois de ter lido O Castelo de Vidro no início 2018, terminar o ano com Uma Educação, de Tara Westover, foi a cereja no topo do bolo. Admito, desde já, a minha curiosidade em relação a famílias disfuncionais, numerosas e com uma grande tendência para a loucura, mas há que notar que é realmente interessante e construtivo conhecer outras realidades, tão distintas da nossa.
 
Tara nasceu em 1986, numa família mórmon com sete filhos, no Idaho, Estados Unidos da América. Não teve certidão de nascimento durante vários anos, nem frequentou a escola até aos dezassete anos. O pai acreditava no Fim do Mundo, que a Escola era uma forma de lavagem cerebral do Governo, que os medicamentos eram venenosos, entre outras pérolas. Surpreendidos? Esperem até ler todos os relatos de Tara Westover. O que mais me cativou neste livro foi compreender verdadeiramente o poder que a educação tem nas crenças e atitudes de um ser humano, bem como a forma como cada indivíduo reage a esta mesma educação (através dos comportamentos dos irmãos de Tara, muito distintos, diga-se de passagem). 
 
Pode parecer estranho visto de fora, especialmente no mundo em que vivemos actualmente, rodeados de informação e das mais diversas tecnologias, mas se não nos são dadas as ferramentas nem as condições para aprender e, no fundo, para ser, acabamos por aceitar e acreditar naquilo que nos é transmitido, naquilo que faz parte do nosso quotidiano, desconhecendo por completo o mundo à nossa volta. Um dos exemplos mais gritantes neste livro é o facto de Tara desconhecer o significado de Holocausto. 
 
Apesar de Tara ter conseguido fazer frente ao que toda a vida foi absorvendo dos pais, recuperar de tudo (ou quase) o que lhe passou ao lado durante os anos que viveu juntamente com a família valeu-lhe diversas humilhações e momentos de desespero, feridas profundas, dificilmente cicatrizáveis. Contudo, nada disto foi impedimento para que fosse bem sucedida, hoje, uma historiadora (licenciou-se em Cambridge, foi aluna de Harvard e doutorou-se, novamente, em Cambridge), que nos escreve num registo descritivo, de forma meditativa, analisando e tentando compreender o que sentiu e como agiu na época, sem dramatismos. Recomendo a todos.
[...] Nunca tinha ouvido ninguém usar a palavra «feminismo» senão como uma repreensão. Na BYU «pareces uma feminista» assinalava o fim da discussão. Assinalava também que eu tinha perdido.
Saí do café e fui à biblioteca. Depois de cinco minutos na net e de algumas deslocações às prateleiras, estava sentada no meu lugar do costume com uma grande pilha de livros escritos por aquelas que sabia agora serem as escritoras da segunda vaga - Betty Friedan, Germaine Greer, Simone de Beauvoir. Li apenas umas páginas de cada livro antes de os fechar bruscamente. Nunca vira a palavra «vagina» impressa, nunca a pronunciara em voz alta.
Voltei à Internet e depois às prateleiras, onde troquei os livros da segunda vaga por aqueles que precederam a primeira - Mary Wollstonecraft e John Stuart Mill. Li-os durante a tarde e até à noite, e desenvolvi pela primeira vez um vocabulário para o desconforto que sentia desde a infância.
 
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