09
Jan18
[LIVROS] | Tudo que Existe Louvará - antologia
Tudo que Existe Louvará, de Adélia Prado, foi a primeira leitura de 2018 e o meu primeiro livro para o Projecto Ler Poesia. Em 2017, li um ebook de Adélia Prado (O coração disparado) que me deixou cheia de vontade de ler mais poesia sua, pelo que aproveitei para comprar este livro na Feira do Livro. Trata-se de uma antologia da poesia de Adélia Prado organizada por José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos, que reúne poemas de 7 livros.
Curiosamente, não funcionou tão bem comigo como O coração disparado, apesar de este até ser um dos livros que compõem esta antologia. Podem ter sido os poemas escolhidos ou simplesmente a minha disposição ao lê-lo, mas Tudo que Existe Louvará não me causou tanto impacto como o primeiro contacto com Adélia Prado havia causado. Reconheço-lhe a qualidade (inquestionável), mas não me deixou o coração a transbordar de amor. Gostei muito de alguns poemas, mas raramente algum me tocou profundamente, quando era precisamente o que procurava ao ler este livro.
Apesar da mais que óbvia ligação entre a poesia de Adélia e a sua religiosidade, creio que esta vertente foi explorada em demasia nesta antologia, ficando de fora os poemas que mais me agradam. Assim, foi com um certo desapontamento que fui progredindo na leitura.
Esperava mais face ao que já conhecia de Adélia Prado, mas agora tenho a certeza de que prefiro ler a sua obra completa a ler uma antologia. Ainda assim, não deixo de vos recomendar este livro, porque a poesia desta autora tem muito valor, apenas aconselho a que o leiam numa fase mais avançada na vossa vida enquanto leitores de poesia (se é que isso existe...), julgo que é pouco provável que vos arrebate à primeira leitura. Leiam primeiro O coração disparado e, se gostarem, depois progridam com calma no resto da sua obra.
O meu poema preferido do livro, o género de poema que esperava encontrar mais frequentemente ao longo desta antologia:
DOLORESHoje me deu tristeza,sofri três tipos de medoacrescidos do fato irreversível:não sou mais jovem.Discuti política, feminismo,a pertinência da reforma penal,mas ao fim dos assuntostirava do bolso meu caquinho de espelhoe enchia os olhos de lágrimas:não sou mais jovem.As ciências não me deram socorro,nem tenho por definitivo consoloo respeito dos moços.Fui no Livro Sagradobuscar perdão pra minha carne soberbae lá estava escrito:"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,se tornou capaz de ter uma descendência..."Se alguém me fixasse, insisti ainda,num quadro, numa poesia...e fosse objeto de beleza os meus músculos frouxos...Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,das que jamais verão seu nome impresso e no entantosustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignasnão recusam casamento, antes acham o sexo agradável,condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabeloe varrer a casa de manhã.Uma tal esperança imploro a Deus.
Deixo também o meu poema preferido de O coração disparado (que não foi escolhido para fazer parte de Tudo que Existe Louvará):
TEMPOA mim que desde a infância venho vindocomo se o meu destinofosse o exato destino de uma estrelaapelam incríveis coisas:pintar as unhas, descobrir a nuca,piscar os olhos, beber.Tomo o nome de Deus num vão.Descobri que a seu tempovão me chorar e esquecer.Vinte anos mais vinte é o que tenho,mulher ocidental que se fosse homemamaria chamar-se Eliud Jonathan.Neste exato momento do dia vinte de julhode mil novecentos e setenta e seis,o céu é bruma, está frio, estou feia,acabo de receber um beijo pelo correio.Quarenta anos: não quero faca nem queijo.Quero a fome.