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24
Set18

[LIVROS] | Tanta Gente, Mariana e As Palavras Poupadas

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A Minotauro está a reeditar a obra completa de Maria Judite de Carvalho, uma das escritoras portuguesas mais importantes do século XX que parecia ter ficado na sombra do esquecimento. Já me tinha deparado com este nome quando procurei alguns artigos sobre escritoras portuguesas, mas quando fui pesquisar pelos seus livros as edições ou eram muito antigas ou já estavam esgotadas. Felizmente, houve uma editora que resolveu fazer algo para contrariar este facto e o nome de Maria Judite de Carvalho, autora de contos, novelas, crónicas, uma peça de teatro e um livro de poesia, está de novo ao alcance da nossa vista, como bem o merece.

 

Por este motivo, não pude deixar de adquirir o primeiro volume das suas obras completas, que inclui as suas duas primeiras colectâneas de contos: Tanta Gente, Mariana (1959) e As Palavras Poupadas (1961), tendo este último sido Prémio Camilo Castelo Branco. Curiosamente, foi Tanta Gente, Mariana que arrebatou o meu coração. Deixo também uma nota de destaque para as capas destas edições, uma vez que são reproduções de quadros da autora. Fiquei maravilhada com esta capa, assim como com a do segundo volume que foi entretanto já publicado.

 

Confesso que já estava bastante confiante que ia adorar a sua obra, mas é sempre motivo de felicidade vermos correspondidas ou superadas as nossas expectavivas. Foi o que aconteceu, maravilhei-me com o primeiro conto, homónimo da primeira colectânia, Tanta Gente, Mariana. A escrita tem o ritmo certo e um equilibrio de sofrimento com humor praticamente perfeitos. Vamos navegando ao longo das suas palavras, à medida que vamos conhecendo os pensamentos de Mariana, o seu sofrimento e angústia, a sua impaciência e incapacidade interior de tolerar gente tacanha e conformada, em contraste com a fatalidade que lhe é inerente ao seu espírito. Este conto tem um poder magnético muito forte, dei por mim submersa nele, desejando que não terminasse.

Sinto-me só, mais do que nunca, ainda que sempre o tivesse estado.

 

Apesar de o meu conto preferido se encontrar na primeira colectânea, ambas são equilibradas e muito consistentes, revelando um retrato da sociedade da época, em simultâneo com a intemporalidade das suas palavras, abordando temas como a solidão e o desespero. Como já aqui escrevi diversas vezes, tenho alguma dificuldade em adaptar-me a este género literário, mas neste caso não houve dificuldade alguma, adorei tudo, o ritmo, o desenvolvimento das histórias, os finais, a mensagem e, sobretudo, os monólogos interiores. Tudo está na proporção certa, deixando-nos com vontade de regressar. Ansiosa para ler mais desta autora.

Agora estou aqui e nem de ler sou capaz. Sei que vou morrer e essa certeza basta-me, é como que calmante. Perante ela tudo desaparece. Mas às vezes também tudo vem, é conforme a cor dos dias. Os cinzentos correm moles, desconsolados, amassados com lágrimas. Os negros, gasto-os a desfiar para mim própria toda a minha existência falhada. Acontece-me pensar se essa existência teria sido diferente, melhor, senão mais longa pelo menos mais bem aproveitada, tendo eu procedido de outro modo, seguido outros caminhos. E não. Não fui eu que resolvi. Não fui eu a abrir as mãos que, vejo-o agora, já estavam abertas. Fui forçada a agir e também a ficar quieta. Eu às vezes ia por uma rua larga, a ver o caminho livre e dava de súbito, inesperadamente, com uma parede. Já era tarde para recuar e então tinha de procurar de qualquer modo sair dali ou então desistir e deixar-me ficar. Não era eu quem construía o muro, não era eu também quem adiantava o tempo. Tudo lá estava, preparado para a minha chegada, à minha espera.

 

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