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27
Nov17

[LIVROS] | Poesia Reunida (Maria do Rosário Pedreira)

 

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Falar sobre um livro de poesia é, para mim, mais complicado do que falar sobre qualquer outro género literário. A poesia toca-nos de formas diferentes, conforme o nosso estado de espírito. Num dia pode passar-nos completamente ao lado, enquanto noutro pode ser a coisa mais preciosa que alguma vez lemos. Um poema pode não significar nada e o da página seguinte tudo. É sempre com base nesse pressuposto que me custa um pouco escrever sobre poesia, a experiência de cada leitor é única e intransmissível, as coisas que provoca em nós são muito pessoais e, por vezes, é difícil explicar por palavras tudo o que nos fez sentir. Isto não deixa de ser verdade para os restantes géneros literários, mas acredito profundamente que na poesia a dimensão deste sentimento é inigualável.

 

Já acompanhava a Maria do Rosário Pedreira através do seu blog, Horas Extraordinárias, e sempre tive curiosidade em ler a sua poesia. Na Feira do Livro de Lisboa acabei por comprá-lo, influenciada pela fase literária que andava a atravessar nessa altura (para quem não sabe, li, durante algum tempo, apenas poesia escrita por mulheres). Quando li a Abertura, de Maria do Rosário Pedreira, e o Prefácio, de Pedro Mexia, senti que este livro ia ser especial. Não me enganei.

 

Se houve alturas (sobretudo no início deste livro) em que o meu estado emocional não vacilou enquanto lia estes poemas carregados de um sofrimento terrível, associado ao fim do amor e à lembrança do mesmo, outras houve em que o meu coração ficou minúsculo face à descrição do que representa a perda de alguém. Pela primeira vez na minha vida dei por mim a chorar enquanto lia um poema.

 

A Poesia Reunida de Maria do Rosário Pedreira é constituída por quatro colectâneas de poemas, todas elas repletas de um sentimento que parece ter desaparecido dos nossos dias: já não se morre de amor. Os seus poemas guiam-nos pela dolorosa e trágica perda do outro, seja ela no passado, presente ou futuro. Somos brindados com uma perspectiva "antiquadamente feminina" que, por mais ultrapassada que possa hoje em dia parecer, nunca poderá deixar de existir. De uma forma íntima, Maria do Rosário Pedreira faz-nos morrer de amor mesmo quando o nosso coração está intacto, faz-nos suspirar e sofrer, em poemas recheados de apontamentos anatómicos e domésticos, dos quais se fazem a vida de duas pessoas, sempre rodeadas de livros. Como podemos não nos apaixonar irremediavelmente?

 

Lê, são estes os nomes das coisas que

deixaste - eu, livros, o teu perfume

espalhado pelo quarto; sonhos pela

metade e dor em dobro, beijos por

todo o corpo como cortes profundos

que nunca vão sarar; e livros, saudade,

a chave de uma casa que nunca foi a

nossa, um roupão de flanela azul que

tenho vestido enquanto faço esta lista:

 

livros, risos que não consigo arrumar,

e raiva - um vaso de orquídeas que

amavas tanto sem eu saber porquê e

que talvez por isso não voltei a regar; e

livros, a cama desfeita por tantos dias,

 

uma carta sobre a tua almofada e tanto

desgosto, tanta solidão; e numa gaveta

dois bilhetes para um filme de amor que

não viste comigo, e mais livros, e também

uma camisa desbotada com que durmo

de noite para estar mais perto de ti; e, por

 

todo o lado, livros, tantos livros, tantas

palavras que nunca me disseste antes da

carta que escreveste nessa manhã, e eu,

 

eu que ainda acredito que vais voltar, que

voltas, mesmo que seja só pelos teus livros.

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