[LIVROS] | O Nervo Ótico
Apesar de ter muitos livros em espera na estante, tenho uma certa dificuldade em resistir a algumas novidades. Foi o que aconteceu com o romance de estreia da escritora argentina María Gainza, O Nervo Ótico, a minha primeira compra por impulso do ano, graças a este post. Como resistir a um livro que combina história da arte com crónica íntima, realidade com ficção? Eu não consegui e ainda bem.
Este é um livro curto, que se lê perfeitamente num dia (foi o meu caso), pelo que dar grandes detalhes do mesmo acabará por arruinar a experiência que é ler este livro. O Nervo Ótico está, a meu ver, realmente próximo de uma obra de arte, prende-nos o olhar, revolve-nos as entranhas, faz-nos reflectir, não ficamos os mesmos depois de o ler.
Adorei ler sobre pinturas e sobre a vida e particularidades de certos pintores (Cándido López, Hubert Robert, Gustave Courbet, Mark Rothko, El Greco...), ao mesmo tempo que ia vagueando pela mente da narradora: os seus pensamentos enquanto estava grávida, quando acompanhou o marido que fez quimioterapia, o seu pânico de voar, a quebra dos laços com uma amiga. As semelhanças entre a intimidade e o que uma pintura representa são tantas que, a partir de certo momento, deixamos de conseguir distinguir a realidade da ficção.
A minha barriga cresceu no último mês e ainda não sei o sexo do bebé mas, seja qual for, para esta criança é tudo futuro, está tudo por ver e aqui dentro, em águas termais e amnióticas, encontra-se no melhor dos mundos. Lembro-me de uma cançãozinha ternurenta que a minha mãe me cantava para eu adormecer: "Que será, será?", dizia a letra, e eu sentia o coração apertar-se porque julgava que era uma pergunta, não uma forma de aceitar o destino. Como raios vou eu saber o que será?, pensava. Odiosa cantilena, estraguei a minha infância a tentar responder-lhe.
A escrita de María Gainza envolve-nos de forma perfeita, enquanto nos conduz numa viagem pela história da arte e pela história de nós próprios. Um exercício literário imperdível.
Envelhecer é não ter vontade de fazer nada, mas mesmo assim sinto curiosidade. Dantes não sentia nenhuma: aos quinze anos proclamava que queria morrer jovem, a ideia parecia-me romântica e literária, e chegar a velha algo pouco entusiasmante. Era uma adolescente cínica que gostava de declarar que a vida não era mais do que uma boa desculpa para se escrever histórias. Agora, que vi o que fui, quero ver o que serei. Quando chegar o momento de dar O Grande Salto, só espero estar em forma para o fazer.