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28
Nov17

[LIVROS] | Novas Cartas Portuguesas

 

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Tudo o que possa escrever sobre Novas Cartas Portuguesas, nascidas das mãos de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, não irá fazer jus ao poder e grandiosidade desta obra.

 

Antes de mais, é importante referir que as autoras decidiram escrever este livro em Maio de 1971 e que foi publicado em Abril de 1972, para que possam compreender o contexto político, social e literário da época em que se enquadra: Portugal vivia sobre o domínio de uma ditadura fascista, na altura, governada já por Marcelo Caetano.

 

A guerra colonial, a repressão sobre a mulher pela sociedade patriarcal fomentada pelo Estado Novo, a censura, entre outros aspectos característicos desta época, fazem deste livro um instrumento com enorme repercussão na sociedade da época, mas, sobretudo, na que se seguiu ao 25 de Abril. Desenganem-se se pensam que o que está escrito em Novas Cartas Portuguesas está repleto de pormenores de subtileza para escapar à censura, não: Natália Correia decidiu publicá-lo na íntegra, apesar de ter sido instada a cortar determinadas partes. O conteúdo das Novas Cartas Portuguesas é explícito e sem rodeios, com passagens eróticas (já estão a imaginar a frase atentado à moral e aos bons costumes na vossa mente, não estão?), um verdadeiro grito de revolta que coloca o dedo na ferida, sem medo e com uma enorme coragem, ferida essa que é constituída pelos mais variados preconceitos e injustiças intrínsecos à sociedade da época e que se vinham arrastando ao longo de séculos. Desta forma, ninguém ficará admirado ao saber que, três dias após a sua publicação, a primeira edição foi recolhida e destruída pela censura, tendo sido também instaurado um processo judicial às três autoras.

 

Enquanto lia a Breve Introdução, escrita por Ana Luísa Amaral, os meus olhos resplandeciam perante a coragem das "três Marias", não fazendo ainda ideia da grandiosidade do conteúdo deste livro. Considero ser importante fazer a leitura desta obra recorrendo à edição anotada, que, para além de ter resgatado o Pré-Prefácio e o Prefácio de Maria de Lourdes Pintasilgo (publicados em 1980), contempla também um conjunto de notas no final do texto, alusivas às particularidades da época, bem como clarifica as referências históricas e biográficas de certos elementos que vão surgindo ao longo dos vários textos que constituem as Novas Cartas Portuguesas e que poderão passar despercebidos/incompreendidos à maioria dos leitores. Para além de ser essencial à leitura deste livro, já que vamos tendo uma maior percepção da grandiosidade da obra, é também uma excelente forma de adquirirmos mais conhecimento.

 

Tinha ideia de que esta seria uma leitura complexa, difícil de interiorizar e compreender em termos conceptuais, mas não poderia estar mais enganada. As notas finais foram uma excelente ajuda para que a absorção deste livro fosse mais natural, mas a sua escrita, no geral, não é um labirinto, designá-la-ia como um passeio com algumas rectas e zonas mais acidentadas, já que existiram, de facto, algumas partes em que foi difícil compreender o que estava a ser transmitido. Refiro-me sobretudo aos poemas, já que a poesia deste livro apresenta uma estrutura e vocabulário complexos, julgo que raramente os decifrei, mas nem por isso deixou de ser uma experiência maravilhosa.

 

Novas Cartas Portuguesas baseia-se no romance epistolar Lettres Portugaises (Cartas Portuguesas, Assírio & Alvim), publicado originalmente em 1669, constituído por cinco cartas de amor remetidas a um oficial francês por Mariana Alcoforado, jovem mulher enclausurada no convento de Beja, na época da luta contra o domínio Filipino em Portugal.

 

Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa apresentam-nos um conjunto de cartas, poemas, textos narrativos, ensaios e citações referentes a vários momentos da história, alguns remontam à época em que viveu Mariana Alcoforado, outros à época actual (em que o livro foi escrito - 1971). Todas elas possuem um conteúdo intrinsecamente feminino, despudorado, recorrendo por vezes a um discurso muito objectivo, enquanto noutras é feito um uso primoroso da ironia. Os 120 textos que constituem esta obra não estão assinados individualmente, vincando ainda mais o carácter colectivo desta obra, um verdadeiro hino à sororidade, numa época repressiva, onde o estatuto social e legal das mulheres era praticamente inexistente.

 

Quando parti para a leitura deste livro, tinha uma vaga ideia do contexto em que se inseria, mas estava muito longe de ter pleno conhecimento da sua grandiosidade em termos literários, sociais e históricos. Partindo desta minha experiência, parece-me deveras importante que não se saiba muito acerca de Novas Cartas Portuguesas, de modo a que esta obra nos surpreenda a cada página, a cada carta, a cada poema, a cada ensaio, a cada suspiro, a cada revelação. Vou, portanto, abster-me de colocar aqui excertos da obra, não só por esta razão, mas também porque fiz muitas anotações, tornando-se árdua a tarefa de seleccionar apenas algumas. Este livro é poderoso não só carta a carta, mas como um todo.

 

Estou a pensar fazer um texto com curiosidades sobre as Novas Cartas Portuguesas, algumas já falei superficialmente neste texto, outras não, e gostava de saber se estariam interessados em ler. Digam-me nos comentários.

 

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