[LIVROS] | Nada a Dizer
Confesso a minha ignorância em relação a Elvira Vigna até à data da sua morte, em Julho deste ano. Elvira Vigna, nascida em 1947 no Rio de Janeiro, foi escritora, jornalista e ilustradora e era, segundo a imprensa, uma das vozes mais originais da literatura brasileira, premiada por diversas vezes. Na época da sua morte, tomei nota do seu nome e acabei por adquirir Nada a Dizer, o único livro da escritora editado em Portugal, pela Quetzal.
Nada a Dizer descreve uma história de traição e como um casal de sessenta anos sobrevive à mesma, do ponto de vista da mulher (traída), a narradora. Trata-se de um relato contemporâneo de uma história de adultério e das suas consequências num casal já com alguma idade, com uma relação sólida e duradoura. O que muda na comunicação entre os envolvidos e neles próprios? Elvira Vigna consegue, com uma história comum (desde sempre e, provavelmente, para sempre), analisar e tirar conclusões muito relevantes sobre a tentativa de entendimento amoroso entre indivíduos nesta situação nos dias que correm, sobretudo num casal com uma longa história.
Depois fiquei com outra imagem. A do carro alugado por Paulo. A de sua vontade, que reconheço como sendo a de uma vida inteira, e que também é a minha, de sair, de ir, do novo, do largar tudo para trás e sentir o tão batido mas sempre maravilhoso vento na cara.
Este livro faz um balanço muito pertinente entre a incompreensão de ser traída, a raiva e o ódio face ao outro, e a reflexão sobre o que será daqui para a frente, de tudo o que, aparentemente, possa ter sido abdicado em detrimento da outra pessoa e dos impactos que tal tem na alma humana, exemplo disso é a forma como a narradora encara o contacto com os outros, receando que estes possam adivinhar o que aconteceu.
Não posso criticá-lo por querer outra mulher. Mas vejo a desistência, o cinismo nesse achar que tudo bem manter amante e a mim, separadas uma da outra. Se Paulo fosse do tipo que pensa antes de agir, eu diria que ele pensou com cinismo. Mas acho que não pensou, nem com cinismo nem sem.
eu só tinha um caminho: admitir que esse olhar de um outro, que eu temia tanto, era um olhar que eu dava para mim mesma. Não existia esse outro. Eu ia ter de enfrentar, sem metáforas facilitadoras, um problema que datava desde antes do evento N., desde antes de eu conhecer Paulo, desde minha infância. Eu ia ter de me ver, eu a mim mesma, sem as histórias que eu fazia a meu respeito, sem meus filmes, nuinha.
A escrita é fluída e mordaz, repleta de requintes de ironia e crueza, algo que me deixou com vontade de ler mais obras de Elvira Vigna. Resta aguardar que cheguem mais livros seus a Portugal.