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23
Jul18

[LIVROS] | Meio Sol Amarelo

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Tendo já lido e relido A Cor do Hibisco (um dos preferidos da vida) lancei-me com algum receio a este Meio Sol Amarelo, já que, como já referi aqui no blog, pretendo ler os seus romances por ordem cronológica. Por um lado, o meu coração sabia que Chimamanda já é uma das autoras preferidas da vida, por outro, era difícil acreditar que seria possível gostar tanto ou ainda mais dos seus outros livros. O facto deste livro ter mais de 500 páginas foi um tanto intimidatório porque não queria, de todo, que se tornasse aborrecido, sofrível ou exasperante. Já devia saber de antemão que Chimamanda dificilmente me proporcionaria esse tipo de sentimentos, mas foi a medo que lhe peguei.

 

Meio Sol Amarelo fez-me companhia entre o final de Abril e o início de Junho, numa altura em que esvaziei uma casa, vivi noutra provisoriamente duas semanas e, finalmente, me mudei para a minha casa actual. Como é fácil de ver, não consegui lê-lo rapidamente, mas deu para saboreá-lo com uma serenidade ímpar o que acho que tornou esta leitura ainda mais prazerosa. Adianto mesmo que, perto do final, comecei a lê-lo muito devagar porque não queria que acabasse, não me queria separar da escrita de Chimamanda, das personagens, queria muito continuar a saber deles até ao fim dos tempos.

 

Chimamanda Ngozi Adichie escreve-nos sobre uma época da história da Nigéria que desconhecia por completo e que vai do início dos anos 1960 até ao final desta década. No final da segunda metade da década de 60, a Nigéria divide-se, nascendo o Biafra cuja bandeira tem faixas em vermelho, preto e verde e, a meio, um luminoso meio sol amarelo. Os conflitos são constantes e o Biafra vê-se isolado, sem comida e com poucos meios de ajuda humanitários, sob bombardeamentos constantes por parte da Nigéria.

 

Através dos olhos das irmãs gémeas Olanna e Kainene, Odenigbo, Richard e Ugwu (o meu personagem preferido) assistimos ao preâmbulo, às origens, nascimento, evolução e ao desfecho de uma guerra violentíssima (1967-1970), com algumas descrições que horrorizam, chocam e arrepiam e que catapultam a escrita de Chimamanda para a perfeição já que, apesar da violência extrema, há sempre um registo sereno e onde habita o amor, mas também o ressentimento, o medo, a confiança e a coragem. A conjugação entre a parte histórica, cultural e social, com o romance propriamente dito foi muito bem conseguida pelo que Meio Sol Amarelo e as suas personagens dificilmente nos sairão da memória. Um livro imperdível, sobretudo para que todos conheçamos a história de luta do Biafra.

A sirene não disparou de manhã cedo e, por isso, quando o violento ruído dos bombardeiros surgiu do nada, enquanto Olanna misturava farinha de milho com água para a papa de Bebé, soube que chegara a hora. Alguém ia morrer. Ou talvez todos. A morte era a única coisa que fazia sentido, pensou ela, agachada debaixo da terra, agarrando num punhado de solo e esfregando-o entre os dedos, à espera que o abrigo explodisse. O barulho das bombas tornava-se mais alto e mais próximo. A terra latejou. Ela não sentiu nada. Estava a flutuar fora de si mesma. Houve mais uma explosão e a terra vibrou, e uma das crianças nuas que rastejava atrás dos grilos riu-se. Depois, as explosões pararam e as pessoas à volta dela começaram a mexer-se. Se ela tivesse morrido, se Odenigbo e Bebé e Ugwu tivessem morrido, o abrigo continuaria a cheirar a terra acabada de arar e o sol continuaria a levantar-se todos os dias e os grilos continuariam aos saltos. A guerra prosseguiria sem eles. Olanna expirou inundada por uma raiva espumosa. Era precisamente essa sensação de inconsequência que a empurrava do medo extremo para o extremo da fúria. A sua vida tinha de ser importante. Ia parar de viver apaticamente, à espera de morrer. Até o Biafra ganhar, os vândalos iam deixar de ditar a maneira como ela vivia.

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