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21
Nov18

[LIVROS] | Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva

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Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva, foi, de certo, a melhor leitura por recomendação que fiz este ano. Atirei-me de olhos fechados, certa de esta vir a ser uma das melhores leituras de 2018 e, quiçá, da vida. Não me enganei. Tudo graças à Cláudia (obrigada, obrigada, obrigada).

 

O título do livro de Maggie O'Farrell, retirado de uma famosa passagem d'A Campânula de Vidro, de Sylvia Plath, é um magnífico prenúncio de que temos um excelente livro pela frente. Num conjunto de 17 textos, cada um associado a uma parte do corpo humano (pescoço, pulmoões, intestinos, cerebelo, etc.), somos confrontados com os diversos momentos em que a vida da autora esteve em risco, precisamente através dessas partes do corpo. A escrita de O'Farrell é cativante e este livro devora-se em menos de nada, tal é a ânsia de saber o que aconteceu, de sofrermos em conjunto (tantas são as vezes em que nos revemos, ou percebemos que algo muito semelhante nos poderia ou poderá acontecer), de respirarmos de alívio quando chegamos ao fim do capítulo.

 

Doenças, sobressaltos com estranhos e conhecidos, pequenos acidentes domésticos ou rodoviários, aborto, maternidade, são algumas das situações de risco de vida abordadas neste livro de forma absolutamente deslumbrante. Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva não poderia ter sido escrito de forma diferente, é perfeito na sua catástrofe e na sua sobrevivência, nas suas sequelas, danos e traumas. Na sua aprendizagem.

 

As partes que mais me marcaram foram aquelas que são inerentes a ser mulher, que na primeira, ou terceira pessoa (as histórias mais próximas de nós), iremos de certeza algum dia tomar contacto e que, por isso, acredito que tenham mais impacto. Outro dos meus capítulos preferidos foi aquele em que Maggie descreve como foi estar internada devido a uma lesão no cerebelo e, depois, ter ficado em casa durante um longo período de tempo, com severas limitações, regressando, por fim, à escola. Um livro incrível, que, apesar do medo que nos possa, eventualmente, transmitir, é um fantástico testemunho de transformação e celebração da vida, sem ceder à vitimização.

Estar tão perto da morte, em pequena, para depois voltar a emergir acima da superfície da vida, conferiu-me durante muito tempo um tipo especial de imprudência, uma atitude sobranceira ou até louca para com o risco. Podia, percebo, ter ido no sentido contrário e ter-me transformado numa pessoa limitada pelo medo, restringida pela cautela. Em vez disso, eu saltei do paredão do porto. Caminhei sozinha em montanhas remotas. Apanhei comboios noturnos através da Europa, sozinha, chegando a capitais a meio da noite sem ter onde ficar. Andei de bicicleta, despreocupadamente, por aquela que é considerada a estrada mais perigosa da América Latina, um carreiro vertiginoso, a desfazer-se, num pico íngreme, em cujas bermas abundam inúmeros memoriais àqueles que perderam a vida em quedas no local. Caminhei em lagos congelados. Nadei em águas perigosas, figurativa e literalmente.

Não era que eu desse valor à minha existência; era mais uma questão de ter um desejo insaciável de me forçar a abraçar tudo o que ela pudesse oferecer. Quase perder a vida aos oito anos de idade deu-me uma tranquilidade - talvez excessiva - em relação à morte. Sabia que podia acontecer, a um certo momento, e a ideia não me assustava; a sua proximidade parecia-me, pelo contrário, quase familiar. Saber que eu tinha sorte em estar viva, que podia tão facilmente ter corrido de outra forma, enviesou a minha forma de pensar. Encarei o resto da minha vida como um extra, um bónus, um prémio: podia fazer dela o que quisesse. E não só tinha enganado a morte, como tinha também escapado a um destino de invalidez. O que mais poderia fazer com a minha independência, com o meu estado ambulatório, a não ser explorá-los ao máximo?

 

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