[LIVROS] | A Praia de Manhattan
A convite da JB Comércio Global tive a oportunidade de escolher um livro para ler em Outubro. Com tantas novidades da rentrée literária foi difícil seleccionar apenas um, mas o escolhido foi A Praia de Manhattan, de Jennifer Egan, e não podia estar mais satisfeita. Já tinha ouvido falar dele no canal da Mel Ferraz, pouco tempo antes de saber que seria editado em Portugal, pela Quetzal. Jennifer Egan nasceu em São Francisco, licenciou-se em Literatura Inglesa, e, em 2011, o seu romance A Visita do Brutamontes (também editado pela Quetzal) foi galardoado com o prestigiado prémio Pulitzer e foi também considerado, pelo The Guardian, como um dos dez melhores romances de sempre sobre Nova Iorque. Como as críticas a este A Praia de Manhattan também eram maravilhosas, decidi escolhê-lo para a minha estreia com Jennifer Egan.
Apesar das 500 páginas, Jennifer Egan envolve-nos de forma maravilhosa numa Nova Iorque em plena Segunda Guerra Mundial, numa perspectiva completamente diferente da que estamos habituados, o esforço de guerra nos estaleiros navais de Brooklyn. A personagem principal deste livro, Anna Kerrigan, é simplesmente maravilhosa, o seu trabalho no estaleiro consiste em medir e examinar peças para garantir que estão uniformes, mas decide tornar-se a primeira mulher mergulhadora do estaleiro (não vou revelar mais sobre o enredo porque não quero estragar nada). Paralelamente ao enredo, tomamos contacto com a vida da cidade nos anos 40, em plena guerra: os rapazes a partirem aos 16 anos, as notícias dos avanços e recuos dos Aliados, os prenúncios de derrota e vitória, a tensão e as preocupações permanentes, e o mar, sempre presente. Tomamos, sobretudo, contacto com o papel das mulheres que trabalharam nestes estaleiros nova iorquinos em tempos de guerra, enquanto (para quem já leu) relembramos também A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, de Svetlana Alexievich.
- Oiça, Senhor Almirante, agradou-me bastante ver tantas raparigas a trabalhar no vosso Estaleiro Naval.
- Ah, ainda bem que reparou - retorquiu o comandante - As raparigas ultrapassam as nossas expectativas mais elevadas. Ficaria surpreendido... eu cá sei que fiquei... se lhe dissesse que até possuem algumas vantagens. São mais pequenas e mais ágeis; conseguem caber em espaços onde os homens não conseguem. E o trabalho doméstico torna-as habilidosas, sempre a tricotar e a costurar, remendar meias, cortar legumes aos bocadinhos...
- A verdade é que tratamos as nossas raparigas com delicadeza a mais - declarou o homem com aspeto dispéptico, na outra ponta da mesa. - No Exército Vermelho, as raparigas funcionam como paramédicos... transportam os feridos para fora dos campos de batalha, às costas.
- E também pilotam aviões - disse alguém. - Bombardeiros.
Há já algumas semanas, tenho pensado bastante em começar a ler um livro de história do século XX que tenho aqui por casa, porque sinto, tantas vezes, que sei muito pouco sobre o que se passou num século em que, eu própria, nasci, que foi muito rico (não pelos melhores motivos, infelizmente) em termos históricos e que pode ensinar-nos tanto. Porque gostava de estar mais informada e estabelecer os meus próprios paralelismos e conclusões, em vez de estar centrada no que se diz e escreve na comunicação social. A Praia de Manhattan veio reforçar esse desejo, tal é a sua componente histórica e o trabalho de investigação que Egan desenvolveu para que o ambiente, as vivências e os acontecimentos fossem o mais próximo da realidade possível, apesar da componente ficcional do romance. Não fiquei impressionada com o desenlace, mas creio que há uma certa beleza em irmo-nos preparando progressivamente para o final de um livro, sem surpresas, tranquilamente, com um certo sorriso no rosto e a sensação incrível de terminamos de ler uma boa história.
Pelo retrato histórico e por toda a construção ficcional, recomendo mesmo que leiam A Praia de Manhattan. Fiquei muito impressionada com a escrita de Jennifer Egan e estou a morrer de vontade de ler A Visita do Brutamontes. Se já leram algum livro seu, digam-me nos comentários o que acharam.