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Mais Mulheres Por Favor

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23
Jan19

[LIVROS] | Canção doce

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Canção doce, de Leïla Slimani, foi um dos livros que mais me chamou a atenção no ano passado mas que demorou algum tempo até vir morar cá para casa. Ouvi opiniões muito positivas e a temática atraiu-me bastante, por ser distinta daquilo que leio habitualmente.
 
Devorei-o em muito pouco tempo, a estrutura e a escrita tornam a leitura rápida e entusiasmante, contudo, devo confessar que esperava um pouco mais. No início do livro já sabemos o que aconteceu, uma ama, Louise, assassina as duas crianças de quem tomava conta, só não sabemos exatamente o que desencadeou tal coisa. Ao longo do resto do livro, vamos acompanhando como se desenvolve a relação desta ama com as crianças de quem tomava conta, bem como com os pais destas, à medida que descobrimos também mais sobre o passado desta mulher.
 
Canção doce vai desvendando de forma subtil os motivos que levaram ao infanticídio, quase podemos ver o mal a "nascer" em Louise (ou já estaria com ela?), contudo, custou-me crer na "cegueira" dos pais face à aparente perfeição de Louise. Paralelamente, senti falta de algumas explicações, na minha opinião, teria sido importante ler sobre o que aconteceu e não apenas o antes e o imediatamente depois, embora perceba a intencionalidade de deixar certas questões no ar, até porque o impacto no leitor é maior quando, no fundo, se trata do enigma que é o comportamento humano.
 
Acredito que o facto de ainda não ser mãe também tenha algum impacto na minha visão deste livro, mas, no geral, gostei da forma como Leïla Slimani conduz esta história e das reflexões que este livro levanta, em particular, da fase de transição de Myriam (a mãe), que dá origem à contratação de Louise.
 
Durante meses, fingiu suportar a situação. Nem a Paul teve coragem de confessar até que ponto tinha vergonha. Até que ponto se sentia morrer por não ter nada para contar, a não ser as palhaçadas dos filhos e as conversas entre desconhecidos que ela espiava no supermercado. Começou a recusar todos os convites para jantar, a não atender os telefonemas dos amigos. Desconfiava sobretudo das mulheres, que podiam ser tão cruéis. Tinha vontade de estrangular aquelas que fingiam admirá-la ou, pior, ter inveja de si. Já não aguentava ouvi-las queixar-se do trabalho, de quase não verem os filhos. Acima de tudo, tinha medo dos desconhecidos. Daqueles que lhe perguntavam inocentemente o que fazia na vida e que viravam a cabeça ao ouvir a resposta «Doméstica».
 
17
Jan19

[LIVROS] | A Cor Púrpura

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A Cor Púrpura, de Alice Walker, foi publicado em 1982, e, apesar da sua contemporaneidade, já é considerado um clássico da luta contra o racismo do século XX. Recebeu o prémio Pulitzer de Ficção no ano seguinte à sua publicação, sendo também considerado um clássico do feminismo.
 
Já o tinha debaixo de olho há bastante tempo devido às opiniões que fui lendo, contudo, a falta de uma edição mais recente em Portugal fez-me adiar a sua leitura. Quando dei conta que tinha sido editado pela Suma de Letras, não perdi mais tempo. Tenho feito muitas compras de novidades nos últimos tempos, mas este era um dos poucos livros que já esperava há bastante tempo (alguns anos). Tinha a certeza de que ia gostar e que seria um livro que iria querer que fizesse parte da minha estante. Só não sabia que se iria tornar num dos favoritos da vida. Estava curiosa, mas sem grandes expectativas.
 
Apesar de estar a par das (óptimas) críticas, no momento em que o li não sabia rigorosamente nada sobre a história - tenho uma memória terrível e não procurei saber mais antes de iniciar a leitura -, motivo pelo qual não pretendo alongar demasiado esta opinião. A Cor Púrpura é um romance epistolar, onde Celie escreve cartas a Deus, desarmando-nos com a sua honestidade e com a sua história, que vamos descobrindo pouco a pouco. Fui-me maravilhando e emocionando, carta após carta, perante a história de Celie mas, sobretudo, pela forma como se descobre, como evolui enquanto personagem, ao longo de anos de cartas. Um livro imperdível e fundamental, que todos devíamos ler. Pretendo ver o filme em breve.

[...] A minha pele é escura. O meu nariz é só um nariz. Os meus lábios são só uns lábios. O meu corpo é só um corpo de mulher a atravessar as mudanças da idade. Não tenho nada de especial pra ninguem amar. Nem cabelo encaracolado cor de mel, nem belezura. Nada jovem e fresco. Mas o meu coração deve ser jovem e fresco, porque parece tá desabrochar sangue.

 

15
Jan19

[LIVROS] | Rua Katalin

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Depois da leitura impactante que foi A Porta, as expectativas para ler outro livro de Magda Szabó eram elevadíssimas. É ainda frequente lembrar-me da personagem central, Emerence, e ficar cheia de vontade de o ler novamente, só para recordar certos pormenores. Estava, naturalmente, com alguma esperança de encontrar outra personagem marcante em Rua Katalin, mas, racionalmente, preparada para que tal não acontecesse. Depois de ter lido este segundo livro, percebi que quero continuar a ler outros livros de Magda Szabó que sejam, de futuro, publicados em Portugal, mas tenho de confessar alguma desilusão. É bom, mas ficou um pouco aquém das expectativas, provavelmente por tê-lo comparado em excesso com A Porta.
 
Começando pelo melhor deste livro, gostei muito da estrutura e da diversidade de personagens, de três famílias diferentes. Na primeira página constam os nomes de todas as personagens, organizados por família e relações dentro de cada família, seguindo-se uma pequena abertura do romance, que me deixou deslumbrada. De seguida, num curto capítulo, são-nos apresentados os vários lugares que irão surgir ao longo do livro propriamente dito, mas onde já temos um pequeno vislumbre das diversas personagens (ao qual voltei no final da leitura). Finalmente, temos um conjunto de capítulos (Datas e Episódios), apresentados por ordem cronológica, com os acontecimentos que afectaram as três famílias, entre 1934 e 1968 (nomeadamente, 1934, 1944, 1952, 1956, 1961 e 1968). Acompanhamos as relações que se desenvolvem entre as crianças Irén, Blanka, Henriette e Bálint, mais tarde jovens e adultos, cujas famílias vivem na Rua Katalin, em Budapeste.
 
Como é natural, há uma forte componente deste livro que está associada à Segunda Guerra Mundial e à ocupação alemã da Hungria em 1944, e o peso destes acontecimentos no ambiente e personagens deste livro é muito significativo. Durante a maior parte do livro senti como se estivesse envolvida numa aura negra e depressiva, o que denota, mais uma vez, a qualidade da escrita de Szabó.
Depois de ter voltado do campo de prisioneiros, na casa dos Elekes onde morava e também no seu posto de trabalho, o que percepcionava não era o quarto onde vivia, a banheira onde tomava banho, os doentes que tratava, a cama confortável em que dormia, mas os estigmas do campo de prisioneiros. Quando administrava uma injecção, tinha a sensação de estar a cavar uma trincheira; quando estava sozinho em casa, corria à casa de banho porque sabia que o tempo que podia passar na latrina era limitado, e quando podia ter dormido tranquilamente, a rotina do despertar matinal do campo tirava-lhe o sono.
 
Ainda assim, o que referi anteriormente não foi suficiente para criar verdadeiros laços com estes personagens, provavelmente por acompanharmos episódios muito pontuais das suas vidas e ter ficado muito por escrever (embora creio que propositadamente). Por este motivo, e também, tal como referi antes, devido às comparações que fui estabelecendo entre ambos os livros ao longo desta leitura, algo ficou em falta para que, este segundo, me cativasse por completo, contudo não posso deixar de recomendá-lo, sobretudo pela originalidade e pela forma como Magda Szabó nos conduz ao longo de vários anos por esta rua e pelos seus habitantes.
 
09
Jan19

[LIVROS] | Uma Educação

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Livros de não-ficção são, cada vez mais, uma das minhas prioridades literárias. Já li diversas vezes por aí que "a realidade supera a ficção" e não podia concordar mais. Sem desmérito para a ficção, a vida real oferece também inúmeras possibilidades, com o bónus de ser mais impactante (afinal, aconteceu!) e de potenciar ainda mais a reflexão (afinal, aconteceu!). Depois de ter lido O Castelo de Vidro no início 2018, terminar o ano com Uma Educação, de Tara Westover, foi a cereja no topo do bolo. Admito, desde já, a minha curiosidade em relação a famílias disfuncionais, numerosas e com uma grande tendência para a loucura, mas há que notar que é realmente interessante e construtivo conhecer outras realidades, tão distintas da nossa.
 
Tara nasceu em 1986, numa família mórmon com sete filhos, no Idaho, Estados Unidos da América. Não teve certidão de nascimento durante vários anos, nem frequentou a escola até aos dezassete anos. O pai acreditava no Fim do Mundo, que a Escola era uma forma de lavagem cerebral do Governo, que os medicamentos eram venenosos, entre outras pérolas. Surpreendidos? Esperem até ler todos os relatos de Tara Westover. O que mais me cativou neste livro foi compreender verdadeiramente o poder que a educação tem nas crenças e atitudes de um ser humano, bem como a forma como cada indivíduo reage a esta mesma educação (através dos comportamentos dos irmãos de Tara, muito distintos, diga-se de passagem). 
 
Pode parecer estranho visto de fora, especialmente no mundo em que vivemos actualmente, rodeados de informação e das mais diversas tecnologias, mas se não nos são dadas as ferramentas nem as condições para aprender e, no fundo, para ser, acabamos por aceitar e acreditar naquilo que nos é transmitido, naquilo que faz parte do nosso quotidiano, desconhecendo por completo o mundo à nossa volta. Um dos exemplos mais gritantes neste livro é o facto de Tara desconhecer o significado de Holocausto. 
 
Apesar de Tara ter conseguido fazer frente ao que toda a vida foi absorvendo dos pais, recuperar de tudo (ou quase) o que lhe passou ao lado durante os anos que viveu juntamente com a família valeu-lhe diversas humilhações e momentos de desespero, feridas profundas, dificilmente cicatrizáveis. Contudo, nada disto foi impedimento para que fosse bem sucedida, hoje, uma historiadora (licenciou-se em Cambridge, foi aluna de Harvard e doutorou-se, novamente, em Cambridge), que nos escreve num registo descritivo, de forma meditativa, analisando e tentando compreender o que sentiu e como agiu na época, sem dramatismos. Recomendo a todos.
[...] Nunca tinha ouvido ninguém usar a palavra «feminismo» senão como uma repreensão. Na BYU «pareces uma feminista» assinalava o fim da discussão. Assinalava também que eu tinha perdido.
Saí do café e fui à biblioteca. Depois de cinco minutos na net e de algumas deslocações às prateleiras, estava sentada no meu lugar do costume com uma grande pilha de livros escritos por aquelas que sabia agora serem as escritoras da segunda vaga - Betty Friedan, Germaine Greer, Simone de Beauvoir. Li apenas umas páginas de cada livro antes de os fechar bruscamente. Nunca vira a palavra «vagina» impressa, nunca a pronunciara em voz alta.
Voltei à Internet e depois às prateleiras, onde troquei os livros da segunda vaga por aqueles que precederam a primeira - Mary Wollstonecraft e John Stuart Mill. Li-os durante a tarde e até à noite, e desenvolvi pela primeira vez um vocabulário para o desconforto que sentia desde a infância.
 
05
Jan19

[LIVROS] | Regras para Descolagem

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A Carolina, companheira de clubes e eventos literários, almoços e lanches para falar sobre livros e não só, lançou no final de 2018 o seu primeiro livro, Regras para Descolagem. Não apenas por conhecê-la pessoalmente, mas também por saber que é apaixonada pela literatura e pela escrita, tinha muita curiosidade em ler a sua obra de estreia e, naturalmente, partilhar a minha opinião aqui no blog. Durante a leitura tentei abstrair-me ao máximo do facto de conhecer a Carolina para que depois pudesse escrever de forma imparcial. 
 
Nas primeiras páginas, fiquei imediatamente encantada com o ponto de partida deste livro, um aeroporto, já que tenho um fascínio especial por tudo o que lhe está associado. Regras para Descolagem lê-se muito rapidamente tal é a vontade de saber mais, mas sobretudo pela escrita da Carolina: cativante, cuidada e fluida
Os aeroportos fazem-me sentir nervoso. Não que tenha medo de voar. Na verdade, acalmo-me quando o avião levanta voo. Antes disso sinto-me irrequieto. Vejo as pessoas a partir e a chegar e tenho a sensação de que se alguma delas se perdesse aqui, nunca conseguiríamos encontrá-la. Como se os aeroportos fossem buracos negros por onde as pessoas se evaporam. Se num minuto estão sentadas junto à porta da porta de embarque, no seguinte podem estar presas num submundo do aeroporto que não vemos. Qualquer um pode ser sugado para o buraco. E quem daria pela falta dessa pessoa? Tanto pode ter saído para visitar a cidade como pode estar num avião a caminho do México. E se alguém reclamar que não era esse o destino que a pessoa tinha definido no cartão de embarque, eu pergunto: não estamos nós no sítio onde tudo pode ser alterado, adiado e cancelado? No fundo, o aeroporto é uma porta giratória de oportunidades. Se perdemos um voo, haverá sempre outro à nossa espera.
 
Lourenço é um detective privado que apanha um voo até Colombo para aquele que será o seu último caso. Ao longo das diversas horas de viagem, em consequência de uma conversa com outro passageiro, conhecemos diversos momentos da sua vida, todos marcados por mulheres. A voz masculina, o enredo e o rumo que a Carolina deu a esta história estão bem conseguidos, é notório o seu talento. Fiquei com pena que o final não tenha sido mais desenvolvido (gostava de ter sabido mais), em compensação, tornava um pouco mais breve a parte da adolescência de Lourenço. 
 
Regras para Descolagem é um excelente prenúncio para o futuro da Carolina enquanto escritora e espero realmente que não falte muito tempo para que possamos ter a oportunidade de ler outro livro seu.
 
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