[LIVROS] | As Melhores Leituras de 2017
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Maria Teresa Horta esteve muito presente nas minhas leituras deste ano: Anunciações, Poesis e Novas Cartas Portuguesas, e foi uma descoberta preciosa, pelo que, depois de ler a opinião da Cláudia, não pude deixar de comprar e ler A Paixão segundo Constança H.
Na sequência de uma traição, paixão e loucura envolvem-se perigosamente a cada página, a cada poema, a cada parêntesis. Sendo esta uma leitura bastante rápida, dei por mim, diversas vezes, a torná-la mais lenta, de modo a saborear certos pormenores, a tentar ler nas entrelinhas. As constantes variações na sua estrutura e a escrita feminina, recheada de intimidade e erotismo, deixam-nos com uma ânsia de explorar e compreender Constança. As referências a Clarice Lispector, Sylvia Plath, Mariana Alcoforado (As Cartas Portuguesas), Virginia Woolf, Maina Mendes (Maria Velho da Costa), entre outras, são o complemento perfeito a este magnífico livro.
Lê e relê os livros que ele lhe trouxera a seu pedido: Duras, Sylvia Plath, Clarice Lispector... Vidas femininas que se alinham ali, à sua beira, que vai desfolhando, quem sabe se pela loucura... Emma Santos, Florbela Espanca, Zelda Fitzgeral.
(...)
Revê-se em cada linha que lê. Reconhece-se em cada parágrafo: na mudez de Maina ou na insanidade apaixonada de Lola Valérie Stein, na imponderabilidade de Mariana Alcoforado...
Maria Teresa Horta faz um retrato intenso, visceral, brutal e transformador de uma mulher profundamente magoada, carregada de ódio, caminhando a passos largos para a loucura até, progressivamente, esta a possuir. Íntimo, tremendamente feminino, com um domínio soberbo da palavra, este livro constitui também um poderoso lembrete para o preconceito e incompreensão associados a este tema tão complexo e sempre actual.
"Estou a enlouquecer", imaginava. E não queria saber dos sítios por onde passava.
Só dos silêncios.
Dos sulcos.
Dos cercos.
Das vozes dentro de si, enoveladas. Virginia Woolf escreveu na sua letra miudinha, "voltei a escutar as vozes", antes de se suicidar. Constança não se queria matar, mas a pulsão mais negra de ambas era a morte, a morte e a loucura. "Voltei a ouvir as vozes", garantiu Virginia. Constança não garantia nada, nem o seu amor. Porque aquilo não era já amor - sabia - não era já amor.
Imaginava e imaginava essa paixão obsessiva.
Com A Paixão segundo Constança H., Maria Teresa Horta entra, definitivamente, para a minha lista de escritoras preferidas de sempre. Preciso de ler toda a sua obra urgentemente (uma lista de compras para a Feira do Livro de 2018 encontra-se neste momento a ser elaborada). Atrevo-me a dizer-vos que tudo o que lhe sai das mãos merece ser lido. Leiam-na.
Tudo o que possa escrever sobre Novas Cartas Portuguesas, nascidas das mãos de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, não irá fazer jus ao poder e grandiosidade desta obra.
Antes de mais, é importante referir que as autoras decidiram escrever este livro em Maio de 1971 e que foi publicado em Abril de 1972, para que possam compreender o contexto político, social e literário da época em que se enquadra: Portugal vivia sobre o domínio de uma ditadura fascista, na altura, governada já por Marcelo Caetano.
A guerra colonial, a repressão sobre a mulher pela sociedade patriarcal fomentada pelo Estado Novo, a censura, entre outros aspectos característicos desta época, fazem deste livro um instrumento com enorme repercussão na sociedade da época, mas, sobretudo, na que se seguiu ao 25 de Abril. Desenganem-se se pensam que o que está escrito em Novas Cartas Portuguesas está repleto de pormenores de subtileza para escapar à censura, não: Natália Correia decidiu publicá-lo na íntegra, apesar de ter sido instada a cortar determinadas partes. O conteúdo das Novas Cartas Portuguesas é explícito e sem rodeios, com passagens eróticas (já estão a imaginar a frase atentado à moral e aos bons costumes na vossa mente, não estão?), um verdadeiro grito de revolta que coloca o dedo na ferida, sem medo e com uma enorme coragem, ferida essa que é constituída pelos mais variados preconceitos e injustiças intrínsecos à sociedade da época e que se vinham arrastando ao longo de séculos. Desta forma, ninguém ficará admirado ao saber que, três dias após a sua publicação, a primeira edição foi recolhida e destruída pela censura, tendo sido também instaurado um processo judicial às três autoras.
Enquanto lia a Breve Introdução, escrita por Ana Luísa Amaral, os meus olhos resplandeciam perante a coragem das "três Marias", não fazendo ainda ideia da grandiosidade do conteúdo deste livro. Considero ser importante fazer a leitura desta obra recorrendo à edição anotada, que, para além de ter resgatado o Pré-Prefácio e o Prefácio de Maria de Lourdes Pintasilgo (publicados em 1980), contempla também um conjunto de notas no final do texto, alusivas às particularidades da época, bem como clarifica as referências históricas e biográficas de certos elementos que vão surgindo ao longo dos vários textos que constituem as Novas Cartas Portuguesas e que poderão passar despercebidos/incompreendidos à maioria dos leitores. Para além de ser essencial à leitura deste livro, já que vamos tendo uma maior percepção da grandiosidade da obra, é também uma excelente forma de adquirirmos mais conhecimento.
Tinha ideia de que esta seria uma leitura complexa, difícil de interiorizar e compreender em termos conceptuais, mas não poderia estar mais enganada. As notas finais foram uma excelente ajuda para que a absorção deste livro fosse mais natural, mas a sua escrita, no geral, não é um labirinto, designá-la-ia como um passeio com algumas rectas e zonas mais acidentadas, já que existiram, de facto, algumas partes em que foi difícil compreender o que estava a ser transmitido. Refiro-me sobretudo aos poemas, já que a poesia deste livro apresenta uma estrutura e vocabulário complexos, julgo que raramente os decifrei, mas nem por isso deixou de ser uma experiência maravilhosa.
Novas Cartas Portuguesas baseia-se no romance epistolar Lettres Portugaises (Cartas Portuguesas, Assírio & Alvim), publicado originalmente em 1669, constituído por cinco cartas de amor remetidas a um oficial francês por Mariana Alcoforado, jovem mulher enclausurada no convento de Beja, na época da luta contra o domínio Filipino em Portugal.
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa apresentam-nos um conjunto de cartas, poemas, textos narrativos, ensaios e citações referentes a vários momentos da história, alguns remontam à época em que viveu Mariana Alcoforado, outros à época actual (em que o livro foi escrito - 1971). Todas elas possuem um conteúdo intrinsecamente feminino, despudorado, recorrendo por vezes a um discurso muito objectivo, enquanto noutras é feito um uso primoroso da ironia. Os 120 textos que constituem esta obra não estão assinados individualmente, vincando ainda mais o carácter colectivo desta obra, um verdadeiro hino à sororidade, numa época repressiva, onde o estatuto social e legal das mulheres era praticamente inexistente.
Quando parti para a leitura deste livro, tinha uma vaga ideia do contexto em que se inseria, mas estava muito longe de ter pleno conhecimento da sua grandiosidade em termos literários, sociais e históricos. Partindo desta minha experiência, parece-me deveras importante que não se saiba muito acerca de Novas Cartas Portuguesas, de modo a que esta obra nos surpreenda a cada página, a cada carta, a cada poema, a cada ensaio, a cada suspiro, a cada revelação. Vou, portanto, abster-me de colocar aqui excertos da obra, não só por esta razão, mas também porque fiz muitas anotações, tornando-se árdua a tarefa de seleccionar apenas algumas. Este livro é poderoso não só carta a carta, mas como um todo.
Estou a pensar fazer um texto com curiosidades sobre as Novas Cartas Portuguesas, algumas já falei superficialmente neste texto, outras não, e gostava de saber se estariam interessados em ler. Digam-me nos comentários.
Toda esta aventura do Mais Mulheres Por Favor resultou, em grande parte, de ter dedicado alguns meses deste ano à leitura de poesia escrita por mulheres. Como tal, não poderia adiar mais tempo a minha opinião sobre o último livro de poesia que li: Poesis, de Maria Teresa Horta.
Poesis resulta de uma ideia brilhante: descrever o processo criativo em que consiste a escrita da poesia. Está organizado em sete partes, Vocação, Invocação, Avocação, Convocação, Provocação, Evocação e Ad Finem, no final dos sete processos, um poema intitulado de Epopeia, um dos meus preferidos, e que resume o conteúdo deste livro.
Esta é a minha epopeia
feita de poesia
perdimentos e palavras
sem deuses sem batalhas
sem heróis nem lágrimas
sem o bronze das armas
Poema a poema a poema
paixão após fulgor após beleza
na sua dimensão mais ávida
Poesis tornou-se num dos meus livros preferidos de poesia pela ideia original e pelos poemas magníficos que Maria Teresa Horta escreveu e que fizeram deste livro algo absolutamente épico. Pessoal e intimista, Poesis contém nele tudo o que sentimos quando lemos poesia e imaginamos o que está por detrás da sua escrita, quando pensamos em escrevê-la e quando nos aventuramos a fazê-lo, pelo menos é assim que imagino o seu processo criativo.
É difícil escolher, entre tantas marcações, alguns dos meus preferidos para vos aguçar ainda mais a curiosidade, mas deixo-vos alguns abaixo juntamente com uma recomendação: leiam este livro que é, sem dúvida, um verdadeiro hino à poesia, tenho a certeza que vai fazer brotar nos vossos corações um amor especial por esta arte ou enraizar ainda mais o vosso amor, caso já lá habite.
Traços furtivos
Sinto-lhe os traços
furtivos
no côncavo da minha mão
ganhando estranhezas súbitas
agudezas, desvarios
dos meus sentidos perdidos
a prender-me o coração
a descer até ao fundo
pela rasura do braço
até chegar ao desvão
na delgadeza do pulso
É a poesia que chega
tomando forma e ruído
a falar o que eu não digo
Reler-me
Releio-me
no próprio espanto
silenciado
Reencontro-me
na poesia primeiro
em seguida no verso
e por fim no poema
inteiro
As rédeas do vento
Nunca pressinto o banal
arrumando
a minha vida
eu tomo as rédeas
do vento
galopo a fímbria dos dias
desato o nó
dos cabelos
vou voando na poesia
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