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Mais Mulheres Por Favor

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26
Abr18

[LIVROS] | Olha-Me como Quem Chove

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Em virtude de 99% dos meus livros estarem encaixotados e de me ter esquecido de deixar de parte um livro de poesia para este mês, vi-me na necessidade de adquirir um novo ou ir à biblioteca. Devido ao pequeno caos, nada poético, em que anda a minha vida, lá acabou por vencer a primeira opção: comprei este livro numa visita de cinco minutos à secção de poesia de uma Fnac. Autora, título e capa convenceram-me, não li um único poema, foi pegar e levar, fazendo figas para que fosse bom.

 

Confesso desde já a minha ignorância, mas desconhecia por completo que Alice Vieira escrevia poesia. Este livro foi editado em Março deste ano e existem mais três volumes de poesia de Alice Vieira: Dois Corpos Tombando na Água (2007), O Que Dói às Aves (2009) e Os Armários da Noite (2014).

 

Olha-Me como Quem Chove foi uma óptima surpresa e uma aposta ganha. Para além do prefácio, é constituído por três partes, Olha-Me como Quem Chove, Dias com Gente Assim e Das Palavras. As duas primeiras partes são muito centradas no envelhecimento, na ausência, na morte e na solidão: na fugacidade da vida. Retratos de como tudo vai mudando e de como nos vamos enganando e abstraindo do caminho, com uma meta muito certa, que todos percorremos. Apesar da melancolia e tristeza implícitas, nota-se, por vezes, em certos pormenores uma paz interior tranquilizante. Todas estas temáticas são muito especiais para mim, alma que se preocupa sobremaneira com o envelhecimento, com a rapidez com que tudo se passa e que se põe a imaginar várias vezes o vazio perpétuo em que consistirá a perda do amor da vida, pelo que em certos poemas fiquei com os olhos cravejados de lágrimas e tive de fazer pausas.

o que levam de nós as coisas velhas que

deitamos fora        porque as casas são

pequenas        e os objectos agora

envelhecem mais depressa que nós

 

nas casas velhas

nós éramos outros        mas

os lençóis de linho sobreviviam

a todos os mortos        e passavam

de corpo para corpo        e

eram sempre os mesmos

e envelheciam em arcas de cânfora

que os avós tinham trazido de macau

e nunca tínhamos tido tempo de

esvaziar completamente

 

mas agora tudo é feito

para morrer depressa        e

sem deixar mágoas nem vestígios

 

que fazem dentro das nossas vidas

gravadores de fita        máquinas de escrever        faxes

cassetes onde aprisionámos momentos e rostos

que julgávamos eternos

dvd's que pensávamos rever

até ao fim dos nossos dias

 

(o senhor da sucata estava feliz

agradeceu muitas vezes

enquanto amontoava tudo        deixando

a minha casa subitamente maior

 

- ou muito mais pequena

 

conforme o ponto de vista)

 

Fiquei com pena de ser um livro tão curto, gostava de ler mais, contudo, a última parte, com apenas dois poemas, encerra este livro de forma soberba, uma antítese à perda e à solidão: o desejo e o amor eterno. Fica o primeiro desses dois, que consta também na contracapa, um dos meus preferidos do livro a par com o que transcrevi acima, ficando outros por relevar.

 

Estendo na cama o corpo que há-de ser

o porto a que esta noite vais chegar.

E entre névoas e ventos hei-de ver

o barco dos teus dedos ancorar

na margem mais secreta do desejo.

E há-de haver um mapa ali por perto

que te leve à enseada do meu beijo

e à fogueira de tudo o que está certo.

E na respiração da tua boca

bebo o grito da terra sempre pouca

para a noite em que ficarmos sós.

Mas o corpo descansa apaziguado:

sei que o sol já repousa do meu lado

e que o teu rio já chegou à foz.

 

27
Mar18

[LIVROS] | Estar em Casa

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O mais recente livro de Adília Lopes chegou-me às mãos juntamente com Bandolim já que as saudades eram tantas que um só livro não bastava - Dobra está a aguardar pela Feira do Livro de Lisboa, onde conto comprar mais livros de poesia escritos por mulheres para dar continuidade ao #lerpoesia.

 

Estar em Casa tem um título auspicioso, contudo fiquei muito decepcionada quando constatei que tinha tão poucas páginas (falha minha que não consultei a ficha técnica). Menos de 100 páginas é pouco para saborear a escrita de Adília, algo que só ultrapassei porque li Estar em Casa com um dia de diferença de Bandolim, então, foi como se tivesse lido um só livro que podia continuar a ler todos os dias até ao fim dos tempos, já que Adília é inesgotável.

 

Apesar do número reduzido de páginas, Adília Lopes continua a deliciar-nos com aquilo que sabe fazer tão bem: deixa-nos de sorriso no rosto, numa tranquilidade, paz e seneridade tão características, que podíamos reconhecê-la de olhos fechados.

 

Só gosto das pessoas boas

quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy

sei lá o quê

se não são boas pessoas

não prestam

 

Escreve poemas, pequena

escreve poemas

e come chocolates

e que os poemas

sejam como chocolates

 

"Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates."

Fernando Pessoa

 

21
Mar18

[LIVROS] | Bandolim

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Hoje, Dia Mundial da Poesia, voltamos em grande ao Projecto #lerpoesia. Este mês haverá opinião de dois livros para compensar a minha falha em Fevereiro, ambos de Adília Lopes (pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira), da qual já estava a morrer de saudades. Em 2017, li pela primeira vez Adília (Manhã) e fiquei completamente apaixonada por esta poetisa, cronista e tradutora portuguesa.

 

O estilo de Adília Lopes é inconfundível mas também difícil de classificar. Os seus livros não se fazem apenas de poemas, mas são pura poesia. Reflexões, memórias, poemas, palavras, citações. De uma simplicidade e genialidade ímpares, Adília desarma-nos e deixa-nos de sorriso nos lábios. Quando leio os seus livros, fico sempre cheia de vontade de lhe dar um abraço e a desejar que seja da minha família.

 

Já andava a namorar este Bandolim desde que terminei o Manhã mas fui resistindo. Até que, numa ida à Fnac de Santa Catarina num sábado chuvoso, lhe peguei e li quase 50 páginas de enfiada. Uns dias depois estava a encomenda feita e o livro nas minhas mãos. Não conheço a obra toda de Adília Lopes, mas Bandolim é, em termos estruturais, semelhante ao Manhã, por isso lê-lo foi como regressar a casa, tão bom.

 

Se ainda não conhecem esta magnífica mulher e a sua escrita, não esperem mais. Precisamos de mais Adília nas nossas vidas.

MODUS OPERANDI

Nunca consegui escrever nada com projectos, planos, programas, esquemas, prazos. Grão a grão, verso a verso, enche a galinha o papo. Pôr o carro à frente dos bois. Assim é que funcionou para mim.

 

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09
Jan18

[LIVROS] | Tudo que Existe Louvará - antologia

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Tudo que Existe Louvará, de Adélia Prado, foi a primeira leitura de 2018 e o meu primeiro livro para o Projecto Ler Poesia. Em 2017, li um ebook de Adélia Prado (O coração disparado) que me deixou cheia de vontade de ler mais poesia sua, pelo que aproveitei para comprar este livro na Feira do Livro. Trata-se de uma antologia da poesia de Adélia Prado organizada por José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos, que reúne poemas de 7 livros.
 
Curiosamente, não funcionou tão bem comigo como O coração disparado, apesar de este até ser um dos livros que compõem esta antologia. Podem ter sido os poemas escolhidos ou simplesmente a minha disposição ao lê-lo, mas Tudo que Existe Louvará não me causou tanto impacto como o primeiro contacto com Adélia Prado havia causado. Reconheço-lhe a qualidade (inquestionável), mas não me deixou o coração a transbordar de amor. Gostei muito de alguns poemas, mas raramente algum me tocou profundamente, quando era precisamente o que procurava ao ler este livro.
 
Apesar da mais que óbvia ligação entre a poesia de Adélia e a sua religiosidade, creio que esta vertente foi explorada em demasia nesta antologia, ficando de fora os poemas que mais me agradam. Assim, foi com um certo desapontamento que fui progredindo na leitura. 
 
Esperava mais face ao que já conhecia de Adélia Prado, mas agora tenho a certeza de que prefiro ler a sua obra completa a ler uma antologia. Ainda assim, não deixo de vos recomendar este livro, porque a poesia desta autora tem muito valor, apenas aconselho a que o leiam numa fase mais avançada na vossa vida enquanto leitores de poesia (se é que isso existe...), julgo que é pouco provável que vos arrebate à primeira leitura. Leiam primeiro O coração disparado e, se gostarem, depois progridam com calma no resto da sua obra.
 
O meu poema preferido do livro, o género de poema que esperava encontrar mais frequentemente ao longo desta antologia:
DOLORES
 
Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescidos do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
nem tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência..."
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fosse objeto de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham o sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus.
 
Deixo também o meu poema preferido de O coração disparado (que não foi escolhido para fazer parte de Tudo que Existe Louvará):
TEMPO
 
A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.
21
Dez17

[PROJECTOS] | Ler Poesia

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Os poemas podem ser extremamente confortantes ou abalar-nos por dentro, podem fazer-nos sorrir ou chorar, podem, também, passar-nos completamente ao lado. Ler um poema é, sem dúvida, uma experiência muito pessoal, introspectiva. O que sentimos ao ler um poema pode ser tão diferente daquilo que a pessoa que o escreveu sentiu, daquilo que qualquer outra pessoa que o leia sentirá, ainda assim, ficamos como que unidos pelas palavras, uma relação intensa e difícil de explicar. Julgo que a magia da poesia está precisamente no facto de todos os significados serem válidos.

 

Quando a Cláudia me propôs um projecto relacionado com poesia, não tive como recusar, os meus olhos brilharam instantaneamente. Há cerca de cinco anos, apaixonei-me irremediavelmente pela poesia e esta tem feito parte da minha vida desde então, especialmente durante este ano. É um amor que vai crescendo à medida que vou lendo mais poemas e conhecendo mais poetas e poetisas, mas que nunca acaba, existem tantos poetas e livros de poesia por descobrir.

 

Nasceu assim o Ler Poesia, que consiste em ler um livro de poesia por mês e fazer um vídeo ou um post com a opinião e com o vosso poema preferido. A ideia é divulgar os poetas e as poetisas dentro deste género e incentivar a leitura de poesia. É um género que exige alguma dedicação e persistência, mas que compensa tanto. Por este motivo, queremos partilhá-lo com mais pessoas. Quem se junta a nós?

 

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