Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Mais Mulheres Por Favor

dia-da-mulher-billboard
30
Jan19

[LIVROS] | Eliete

AfterlightImage (17).JPG

 

Dulce Maria Cardoso é uma das escritoras portuguesas mais aclamadas actualmente, da qual já havia lido O Retorno (2013), tudo são histórias de amor (2014) e O Chão dos Pardais (2009), por esta ordem. Recomendo sempre de olhos fechados O Retorno, um dos meus livros preferidos da vida; tudo são histórias de amor partiu-me o coração em pedaços; O Chão dos Pardais não mexeu tanto comigo, mas o amor por Dulce Maria Cardoso já estava mais do que consolidado na época em que o li. Na Feira de Natal da Tinta-da-China, tive a sorte de encontrá-la e pedir-lhe uma dedicatória no seu mais recente livro, Eliete.
 
Não li a sinopse nem as críticas deste livro antes de o ler, apenas sabia que tinha sido incluído em várias listas de melhores livros do ano, em diversos jornais/revistas. Tinha saudades de ler esta autora e acabei por não adiar muito esta leitura, algo em Eliete me atraía magneticamente. Não estava à espera que o registo deste livro fosse tão moderno, Eliete tem pouco mais de quarenta anos, é casada, tem duas filhas e trabalha numa imobiliária. A acção deste livro tem como pano de fundo Cascais e passa-se ao longo do ano de 2016, havendo mesmo uma parte dedicada à final do Euro em que, graças ao Éderzito, fomos campeões europeus de futebol. Gostei da actualidade deste livro e do tom cómico-trágico de Eliete, outro facto que confere maior dimensão a este livro é o declínio mental da sua avó e tudo a que isso dará origem.
 
Apesar dos pontos que referi acima, houve duas coisas que não me fizeram dar cinco estrelas a este livro. Em primeiro lugar, o momento de viragem na atitude e postura de Eliete, sensivelmente a meio da narrativa, que julgo arrastar-se demasiado e que faz esmorecer um pouco o entusiasmo da parte inicial. O segundo aspecto prende-se com o "desaparecimento" da mãe de Eliete nos dois terços finais do livro, fiquei um pouco desiludida que, após um início tão tenso entre ambas, não houvesse uma continuação da relação entre ambas nos meses que se seguiram.
 
Feito o balanço, há que acrescentar que adorei voltar a ler Dulce Maria Cardoso e que estou realmente ansiosa pela segunda parte de Eliete que, segundo consta, será publicada ainda este ano.
 
Não queria a balbúrdia da festa lá fora, não queria o sossego da solidão cá dentro, mas como é que podia dizer, sem me sentir ridícula, ao Marco, ao mundo, ao Jorge, a mim, que queria ser amada, como é que podia dizer, dizer-nos, bem alto, Sim, sim, quero ser amada, sim, quero uma tempestade, mas uma tempestade a proteger-me do mundo, quero ser o olho do furacão, a calma em torno da qual tudo se agita, quero ser causa e consequência do que se passa à minha volta, quero não estar parada, caminhar com a previsibilidade incerta dos temporais, quero a brutalidade do que é efémero em vez da eterna compostura sólida de planetas que gravitam, quero não estar a banhos no vaivém monótono de dias e marés. Sim, era isso. Queria, acima de tudo, não ter de pensar aqueles disparates. Queria ficar sóbria e não ser triste.
 
Livro escolhido para o projecto Uma Dúzia de Livros, da Rita da Nova.
25
Jan19

[LIVROS] | Fica Comigo

AfterlightImage (16).JPG

 

Fica Comigo, de Ayòbámi Adébáyò, foi uma das novidades da rentrée literária de 2018 que mais me chamou a atenção na época. Tenho por hábito acompanhar de perto as novidades da Elsinore, porque muitos dos seus livros se tornaram preferidos da vida (assim de repente, recordo-me de Yoro e A Guerra não Tem Rosto de Mulher), e com Fica Comigo não foi diferente, a capa e a sinopse deram-me o impulso final para o adquirir.

 

Este livro passa-se na Nigéria, desde os anos 1980 até, praticamente, à actualidade, e aborda a temática da infertilidade, que, embora seja transversal à humanidade, toma contornos muito particulares nesta cultura, bastante distintos daqueles que conhecemos no "mundo" ocidental. Há também um contexto histórico muito forte que vamos acompanhando à medida que os anos passam nesta narrativa. Tinha muita curiosidade em relação à forma como Ayòbàmi Adébáyò iria explorar esta temática, bem como relativamente aos contornos da história propriamente dita, e fiquei muito surpreendida com a qualidade da escrita da autora, bem como do enredo em geral.

 

O início de Fica Comigo é muito intenso, fiquei imediatamente cativada e sofri juntamente com a protagonista, Yejide. Todos fazemos ideia, de alguma forma, da dor que um casal experiencia num contexto de infertilidade, um loop de esperança seguida de desilusão, a tristeza, o desespero e a irracionalidade, tudo misturado num cocktail que, facilmente, pode ser explosivo. Na cultura nigeriana, toda esta tempestade de emoções é ainda mais notória, já que, a título de exemplo, é habitual um homem ter várias mulheres e, naturalmente, filhos dessas mesmas mulheres, além disso, é muito importante que um homem tenha vários filhos, se forem homens, melhor ainda. Devido à ausência de uma gravidez, Yejide vê-se a braços com o aparecimento de uma segunda mulher para Akin, o seu marido.

 

Creio que, a certo momento da leitura de Fica Comigo, vamos pensar que esta história tem reviravoltas a mais, mas, tendo em conta a cultura onde se insere e os sentimentos que unem os personagens, confesso que isso não me afectou muito, senti-me transportada para aquela realidade e tudo me pareceu bastante plausível, contudo, esta componente mais de "novela" faz, na maioria das vezes, cair a tão importante quinta estrela, tal como aconteceu comigo. Ainda assim, adorei esta leitura e o desfecho da história, pretendo ler mais obras de Ayòbàmi Adébáyò.

Muros coloridos iam-me cercando por todos os lados. Tentava empurrá-los, mas os muros eram de cimento e aço. Eu era apenas carne e míseros ossos.

 

23
Jan19

[LIVROS] | Canção doce

AfterlightImage (15).JPG

 

Canção doce, de Leïla Slimani, foi um dos livros que mais me chamou a atenção no ano passado mas que demorou algum tempo até vir morar cá para casa. Ouvi opiniões muito positivas e a temática atraiu-me bastante, por ser distinta daquilo que leio habitualmente.
 
Devorei-o em muito pouco tempo, a estrutura e a escrita tornam a leitura rápida e entusiasmante, contudo, devo confessar que esperava um pouco mais. No início do livro já sabemos o que aconteceu, uma ama, Louise, assassina as duas crianças de quem tomava conta, só não sabemos exatamente o que desencadeou tal coisa. Ao longo do resto do livro, vamos acompanhando como se desenvolve a relação desta ama com as crianças de quem tomava conta, bem como com os pais destas, à medida que descobrimos também mais sobre o passado desta mulher.
 
Canção doce vai desvendando de forma subtil os motivos que levaram ao infanticídio, quase podemos ver o mal a "nascer" em Louise (ou já estaria com ela?), contudo, custou-me crer na "cegueira" dos pais face à aparente perfeição de Louise. Paralelamente, senti falta de algumas explicações, na minha opinião, teria sido importante ler sobre o que aconteceu e não apenas o antes e o imediatamente depois, embora perceba a intencionalidade de deixar certas questões no ar, até porque o impacto no leitor é maior quando, no fundo, se trata do enigma que é o comportamento humano.
 
Acredito que o facto de ainda não ser mãe também tenha algum impacto na minha visão deste livro, mas, no geral, gostei da forma como Leïla Slimani conduz esta história e das reflexões que este livro levanta, em particular, da fase de transição de Myriam (a mãe), que dá origem à contratação de Louise.
 
Durante meses, fingiu suportar a situação. Nem a Paul teve coragem de confessar até que ponto tinha vergonha. Até que ponto se sentia morrer por não ter nada para contar, a não ser as palhaçadas dos filhos e as conversas entre desconhecidos que ela espiava no supermercado. Começou a recusar todos os convites para jantar, a não atender os telefonemas dos amigos. Desconfiava sobretudo das mulheres, que podiam ser tão cruéis. Tinha vontade de estrangular aquelas que fingiam admirá-la ou, pior, ter inveja de si. Já não aguentava ouvi-las queixar-se do trabalho, de quase não verem os filhos. Acima de tudo, tinha medo dos desconhecidos. Daqueles que lhe perguntavam inocentemente o que fazia na vida e que viravam a cabeça ao ouvir a resposta «Doméstica».
 
21
Jan19

[MÚSICA] | Amalie Bruun

AfterlightImage-15.JPG

 

Myrkur é o projecto musical de black metal da dinamarquesa Amalie Bruun, que comecei a ouvir em 2017. Não sendo a maior fã deste género, foi fácil captar a beleza do registo de Bruun, já que na sua música há também uma forte componente de folk rock e gothic metal, o que basicamente quer dizer, na minha linguagem muito simplificada e directa, que há alguns gritos, mas não é só gritaria (algo que os meus ouvidos não toleram).
 
Mareridt, lançado em 2017, foi o primeiro álbum que ouvi e que acabou por fazer parte do meu TOP10 desse ano. Foi depois de já ouvir Myrkur que tive conhecimento de toda uma polémica em torno de Amalie Bruun. Há que notar que o black metal tem um domínio maioritariamente masculino e que é, frequentemente, pouco compreendido, eu própria admito que, até há pouco tempo, colocava completamente de parte este género. Considera-se que é artisticamente inferior aos restantes géneros musicais, ligado a Satanás, entre outras pérolas do género, contudo, quem conhece e toca black metal defende que é musicalmente desafiador, exigente e difícil de ser concretizado, que é complexo tornar visível a beleza em algo tão cru, forte e escuro. Nas palavras de Brunn, Beauty isn’t pretty, beauty hits you in the face, beauty is like nature — it’s just brutal. O nome escolhido para o seu projecto está totalmente de acordo com o meio em que se insere, afinal, Myrkur significa escuridão em islândes.  
 
Dizia eu que é um género com um domínio masculino muito expressivo, onde a presença de Amalie Brunn gerou muita controvérsia entre os amantes de black metal, sobretudo nos homens americanos, com base, obviamente, no facto de se tratar de uma mulher. Amalie Brunn recebeu ameaças de morte e vídeos ameaçadores, surgiram artigos indicando que ela estava a arruinar o black metal, descredibilizando-a. Apesar da polémica e de sentir frequentemente a sua segurança ameaçada, Amalie conseguiu rir-se do ridículo de toda esta situação, Am I really that powerful? Can I ruin a whole genre? I don’t think so.
 

AfterlightImage-14.JPG

 
Para aqueles que pensam que a desigualdade de género é um mito urbano, que as mulheres dispõem dos mesmos direitos que os homens, que a liberdade de ser mulher é idêntica à de ser homem, aqui fica mais um exemplo de discriminação e misoginia.
It seems to be a very witch-hunt kind of thing when women try to do something. They don’t want you in there, you know, playing with their toys.
Felizmente, Amalie Brunn pretende continuar com o seu projecto, lutando para que o black metal seja também considerado uma arte, independentemente do género de quem o produz. Deixo também uma nota positiva para os artistas que a defenderam, fazendo notar a qualidade do seu trabalho e o ridículo de toda esta situação, como foi o caso do vocalista de Behemoth (banda blackened death metal polaca), Adam Nergal, All I look for in music is sincerity and honesty. I don’t care about definitions or what’s considered ‘true’ black metal. What the hell is ‘true’ anyway? At the end of the day, we’re facing some real talent here with Myrkur. She knows how to use her voice, but she does it in two completely opposite ways. She can release a hell of a scream from her lungs. But she can also nail every single beautiful note she sings.
 
Para terminar, se o black metal está completamente fora de questão para vocês, gostava de partilhar aqui um álbum muito especial (o meu preferido): Mausoleum (2016). Trata-se de um álbum constituído por oito músicas de outros discos de Myrkur e uma cover (todas black metal ballads), em formato acústico, onde se ouve a voz de Amalie Brunn, piano, guitarra acústica e um coro de raparigas norueguesas (Norske Jenterkoret), gravado no Emanuel Vigeland Mausoleum, em Oslo. Toda a atmosfera que envolve a gravação deste álbum, conferem-lhe um tom quase mágico. Recomendo muito.
 
17
Jan19

[LIVROS] | A Cor Púrpura

AfterlightImage (14).JPG

 

A Cor Púrpura, de Alice Walker, foi publicado em 1982, e, apesar da sua contemporaneidade, já é considerado um clássico da luta contra o racismo do século XX. Recebeu o prémio Pulitzer de Ficção no ano seguinte à sua publicação, sendo também considerado um clássico do feminismo.
 
Já o tinha debaixo de olho há bastante tempo devido às opiniões que fui lendo, contudo, a falta de uma edição mais recente em Portugal fez-me adiar a sua leitura. Quando dei conta que tinha sido editado pela Suma de Letras, não perdi mais tempo. Tenho feito muitas compras de novidades nos últimos tempos, mas este era um dos poucos livros que já esperava há bastante tempo (alguns anos). Tinha a certeza de que ia gostar e que seria um livro que iria querer que fizesse parte da minha estante. Só não sabia que se iria tornar num dos favoritos da vida. Estava curiosa, mas sem grandes expectativas.
 
Apesar de estar a par das (óptimas) críticas, no momento em que o li não sabia rigorosamente nada sobre a história - tenho uma memória terrível e não procurei saber mais antes de iniciar a leitura -, motivo pelo qual não pretendo alongar demasiado esta opinião. A Cor Púrpura é um romance epistolar, onde Celie escreve cartas a Deus, desarmando-nos com a sua honestidade e com a sua história, que vamos descobrindo pouco a pouco. Fui-me maravilhando e emocionando, carta após carta, perante a história de Celie mas, sobretudo, pela forma como se descobre, como evolui enquanto personagem, ao longo de anos de cartas. Um livro imperdível e fundamental, que todos devíamos ler. Pretendo ver o filme em breve.

[...] A minha pele é escura. O meu nariz é só um nariz. Os meus lábios são só uns lábios. O meu corpo é só um corpo de mulher a atravessar as mudanças da idade. Não tenho nada de especial pra ninguem amar. Nem cabelo encaracolado cor de mel, nem belezura. Nada jovem e fresco. Mas o meu coração deve ser jovem e fresco, porque parece tá desabrochar sangue.

 

WOOK - www.wook.pt

Pág. 1/2