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Mais Mulheres Por Favor

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26
Out18

[LIVROS] | Mulheres & Poder: um manifesto

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Mary Beard foi reconhecida este ano pela rainha de Inglaterra, pelo seu contributo no estudo das civilizações clássicas, com o título de Dama do Reino. É Professora de Estudos Clássicos, na Universidade de Cambridge, e de Literatura Clássica, na Royal Academy of Arts, e uma das editoras do The Times Literary Supplement.
 
Publicou, no final de 2017, o livro Mulheres & Poder: um manifesto, editado, em Portugal, em Maio deste ano pela Bertrand, que se baseia em duas conferências que deu em 2014 e 2017. Um livro que apenas peca por um motivo: é demasiado curto (pouco mais de cem páginas). Juro que era capaz de ficar a ler centenas de páginas sobre o tema, tal foi o meu grau de fascínio pelos exemplos históricos e contemporâneos descritos neste livro. Ainda assim, este manifesto reúne a informação essencial para nos deixar inconformados e conscientes. Para que possamos fazer diversos paralelismos entre o passado e o presente e detectar situações (ainda tão) semelhantes, quer ao nível do que se passa à escala mundial, quer no nosso quotidiano.
 
Numa breve abordagem histórica centrada, maioritariamente, na antiguidade Grega e Romana, Beard explora a relação da mulher com o poder, sobretudo no âmbito da sua voz pública. Desde a forma como o discurso nos era vedado, de como fomos e somos ridicularizadas e descredibilizadas, em contraponto com a soberania atribuída à voz masculina. Em como, sempre que uma mulher se distinguia no ambiente político e fazia bom uso do discurso, era imediatamente classificada como "andrógina" ou como tendo uma "natureza masculina". O discurso público era um - senão mesmo o - atributo que definia a masculinidade.
 
Mary Beard mostra-nos também como o timbre da nossa voz tem sido objecto de gozo e desprezo, de como diversas mulheres se viram forçadas a ter aulas para baixar o tom de voz, a mudar a sua postura, a vestir fato de calça e casaco, tudo para que lhes fosse dado algum crédito neste meio. Desde Penélope (silenciada por Telémaco, na Odisseia, de Homero), passando por Margaret Thatcher ou Hillary Clinton, vários são os exemplos que vão surgindo ao longo deste livro, acompanhados de várias ilustrações. 
 
Segue-se que as mulheres ainda são vistas como pertencendo ao exterior do poder. Podemos sinceramente querer que elas entrem nesse círculo ou podemos, através de vários significados inconscientes, classificar as mulheres como intrusas quando lá chegam. (...) Mas, de todos os modos, as metáforas partilhadas que usamos para referir as mulheres que chegam ao poder - "a bater à porta", "invadir a cidadela", "quebrar barreiras" ou simplesmente dando um "empurrãozinho" - sublinham a exterioridade feminina. As mulheres no poder são vistas como tendo derrubado barreiras ou, alternativamente, como tendo-se apropriado de algo a que não têm bem direito.
 
É inevitável fazer comparações entre a história de silenciamento e descredibilização do discurso da mulher com alguns episódios de violência gratuita sobre as mulheres nas redes sociais, dos quais a própria Mary Beard também já foi alvo, mas também nos meios de comunicação social, em espaços públicos de debate, etc. A história não explica tudo, nem existem paralelismos clássicos para todas as situações, mas olhar para a Grécia e Roma ajuda-nos a olhar com mais atenção para nós mesmos e a compreender melhor como aprendemos a pensar como pensamos. Num artigo do The Guardian sobre a publicação deste livro há uma frase que o caracteriza na perfeição: Before she arms you, then, she makes you think. Recomendo vivamente.
 
Não é possível incluir facilmente as mulheres numa estrutura que se encontra já codificada como masculina; é preciso alterar a estrutura. Isso significa pensar o poder de modo diferente. Significa separá-lo do prestígio público. Significa pensar colaborativamente acerca do poder dos seguidores, não apenas dos líderes. Significa, acima de tudo, pensar acerca do poder como um atributo ou mesmo um verbo ("empoderar"), não como uma posse. O que tenho em mente é a capacidade de se ser eficaz, de fazer a diferença no mundo e o direito a ser levado a sério em conjunto, bem como individualmente. É o poder nesse sentido que muitas mulheres sentem que não têm - e que querem. Porque é que "mansplaining" teve tão grande acolhimento (apesar do desagrado intenso que muitos homens sentem quanto ao termo)? Toca num ponto vulnerável porque recorda diretamente a sensação de "não ser levada a sério": um bocadinho como quando me tentam dar lições de história romana pelo Twitter.
Temos de pensar melhor acerca do que é o poder, para que serve e como é medido. Por outras palavras, se as mulheres não são encaradas como estando completamente dentro das estruturas de poder, decerto é o poder que tem de ser redefinido e não as mulheres?
25
Out18

[LIVROS] | O Interior Profundo

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Na minha ida à exposição Frida Kahlo - as suas fotografias, no Porto, passei pela Livraria Confraria Vermelha para trazer comigo um caderno que já tinha debaixo de olho há algum tempo, da própria Frida (mais tarde irei fazer um post sobre o tema). Entre conversas de livros e blogs, foi-me cedido um exemplar d'O Interior Profundo, o primeiro livro editado pela Confraria Vermelha. Em dois dias, O Interior Profundo viajou comigo até ao Algarve para umas férias recheadas de leituras. Entre mergulhos no mar e na piscina, fui descobrindo o primeiro livro publicado por Diana Fontão, que é organizadora do Clube de Leitura As Leitoras de Pandora (do qual só não faço parte porque os encontros são, precisamente, na Confraria Vermelha, mas que vou seguindo através das redes sociais, cheia de pena de não poder participar) e que tem também um blog. O título deste livro é um espelho do seu conteúdo: íntimo.
 
Se tivesse de classificar a escrita deste livro, diria que se trata de um monólogo interior, com pequenos apontamentos de fluxo de consciência. Talvez por se encontrar escrito desta forma, num discurso ininterrupto sem um narrador externo que nos guie pelos pensamentos do narrador do monólogo, foi complexo conseguir acompanhar tudo. Apesar da dificuldade que senti em perceber o significado de certas partes, houve momentos em que tudo fez sentido e em que reconheci a mesma dor, o mesmo desespero e a mesma derrota. A solidão, a separação e o desespero descritos ao longo destas páginas envolvem-nos numa espiral de dor e medo, num desejo incessante de busca por um caminho, à qual é impossível ficar indiferente.
 
Se eu pudesse manter o meu florescimento perpétuo. Mas cada respiração é a última; em contagem decrescente. A vida inteira a respirar em contagem decrescente. Até à última; perpétua. E eu tenho tanto medo do que vem aí; eu tenho tanto medo deste círculo.
 
À medida que ia lendo este livro, o desejo de pegar num lápis e escrever intensificou-se mais e mais. Talvez por ser tão visceral e pessoal, e pela sua escrita poética, fiquei realmente com uma vontade enorme que as palavras me nascessem das pontas dos dedos, de preencher uma linha, e mais outra. Ainda não me decidi a fazê-lo, mas o bichinho está cá. Parabéns à Diana pela sua estreia literária e obrigada por me ter deixado cheia de vontade de fazer o mesmo.
 
10
Out18

[LIVROS] | O Poder

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Há quase um ano publicava a opinião de A História de Uma Serva, de Margaret Atwood, uma distopia que proporciona uma reflexão muito oportuna sobre os direitos das mulheres num futuro que parece ainda muito distante: uma crise na continuidade da espécie humana, devido à poluição e escassez de recursos, que faz das mulheres meros instrumentos de reprodução, mas que, ainda assim, nos deixa a pensar, e se? Este ano, não consegui evitar adquirir O Poder, de Naomi Alderman (que foi a leitura de Setembro para o Net Book Club, da Cláudia), também uma distopia fortemente relacionada com as mulheres, mas onde estas adquirem uma posição oposta, em vez de subjugadas, têm um poder que lhes permite fazer frente a quem as ameace, ou não.

 

Em termos distópicos, O Poder assenta numa ideia excelente, mas que, analisando em perspectiva, tem algumas falhas e podia ter sido muito melhor explorado. A temática e o universo deste livro fizeram dele uma leitura entusiasmante de férias, li-o freneticamente num par de dias, e que dificilmente esquecerei (desconheço se está para breve uma série, mas espero sinceramente que sim). Resumidamente, há um momento, em que algumas mulheres jovens se apercebem que conseguem emitir descargas eléctricas das palmas das mãos, devido a uma meada que possuem na zona da clavícula. Assim, sempre que se vêem numa situação em que estão a ser, de alguma forma, abusadas, conseguem defender-se. Apesar de apenas as mulheres jovens terem nascido com esta capacidade inata, estas conseguem transmiti-la às mulheres mais velhas. Naturalmente, este poder passa a ser usado não apenas para legítima defesa, mas como arma intimidatória e com potenciais fins bélicos.

 

A narrativa é contada em intervalos de tempo que percorrem dez anos e onde vamos acompanhando algumas personagens cujos destinos, de alguma forma, se vão interligar. Assistimos, primeiro, ao receio e desconfiança perante este poder, depois, às primeiras medidas que são tomadas e que se mostram ineficazes devido à crescente transmissão do poder, ao treino e à aprendizagem, e, por fim, ao domínio a nível político, social e religioso. Ao longo desta distopia, verificamos como se dá uma inversão nos papéis de dominador e dominado, de uma forma bastante expectável, mas que não deixa de ser interessante de acompanhar.

 

Apesar do papel dominante da mulher, do que esta faz com o poder, e da evolução sociológica que se vai verificando ao longo do livro, creio que esta ideia poderia ser ainda mais impactante se as personagens tivessem outro relevo. Não me senti fortemente ligada a nenhuma delas, salvo uma excepção, e que, curiosamente, era um homem. Senti falta de mulheres com uma construção mais sólida e que houvesse uma evolução mais notória das personagens já que, ao longo dos dez anos em que se passa este livro, as personagens estão praticamente idênticas ao início e, talvez por isto, sintamos pouca empatia com elas, o que acaba por quebrar a ligação com o livro. Ainda assim, recomendo a leitura a jovens e adultos, porque levanta, realmente, questões muito importantes e que são cada vez mais relevantes nos nossos dias.

 

08
Out18

[LIVROS] | Inverno no Próximo Oriente

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Uma das compras que fiz em sequência da leitura de Mulheres Viajantes, de Sónia Serrano, foi Inverno no Próximo Oriente de Annemarie Schwarzenbach. Estava muito curiosa com a escrita de Schwarzenbach devivo à sua vida marcada por uma angústia permanente, dependência da morfina e tentativas de suicídio. Achei que os seus relatos de viagens seriam muito introspectivos e pouco descritivos, carregados da sua visão pessoal do mundo que ia conhecendo e explorando.

 

Annemarie Schwarzenbach nasceu na Suíça em 1908, formou-se em História e foi arqueóloga e jornalista, realizando diversas viagens pela Ásia, África, Europa e Estados Unidos entre 1934 e 1941, falecendo apenas com 34 anos. Este livro em particular resulta de uma viagem entre o outono de 1933 e a primavera de 1934, onde acompanha um grupo de arqueólogos numa expedição de seis meses pela Turquia, Síria, Palestina, Iraque e Pérsia, numa época em que o nazismo ascendia visivelmente.

 

Não tenho bem a certeza se o problema foi meu ou não, mas achei este livro muito aborrecido. Só o consegui ler até ao fim porque tem menos de 200 páginas, mas com um enorme esforço. A leitura não fluía, não me conseguia manter interessada nos locais que eram descritos e muito raramente conseguia encontrar a sua visão pessoal (que julgava, erradamente, ser muito mais presente), pelo que foi uma pequena tortura a cada página buscar incessantemente vestígios do que procurava e era realmente importante para mim enquanto leitora, pequenos vislumbres, como o excerto abaixo, que por vezes surgiram e que me foram ajudando a chegar até ao final do livro.

É o estado do mundo que nos proporciona uma consciência assim dos perigos, dos acasos e das restrições que intervêm no curso de uma vida breve. Sabemos que o mundo está na véspera de alterações inevitáveis e profundas, mas ignoramos como enfrentá-las. Por isso, experimentamos reconhecimento por cada episódio atravessado sem embuscadas e numa paz relativa.

Provavelmente, tinha as expectativas demasiado elevadas, ou não estava com a cabeça no lugar, mas creio que o meu gosto se inclina mais para outro tipo de registo de literatura de viagens. Fiquei de facto com imensa pena de Inverno no Próximo Oriente ter tido um impacto tão negativo em mim, mas já estou pronta para me atirar ao Morte na Pérsia, para o Clube dos Clássicos Vivos (leitura de Setembro/Outubro). 

 

04
Out18

[LIVROS] | O Quarto de Marte

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Quando este livro foi publicado, este artigo de Isabel Lucas deixou-me deveras curiosa. Ainda não tinha lido nada desta autora e este parecia-me, dos livros já editados em Portugal, o que mais me podia agradar. Pouco tempo depois, soube-se que este constava da Longlist do Booker Prize 2018 e aí não consegui mesmo resistir. No ano passado, aconteceu-me o mesmo com Outono, de Ali Smith. Depois de ter terminado a sua leitura, mais uma boa notícia, O Quarto de Marte faz parte da Shortlist. Assumi-me imediatamente como team Kushner, apesar de não conhecer os restantes livros (de salientar que nenhum deles foi ainda publicado por cá). O vencedor será anunciado no dia 16 de Outubro.

 

Em relação ao livro, posso adiantar que, apesar da minha curiosidade, não estava certa de que seria uma aposta ganha. Iniciei a leitura um pouco de pé atrás, mas o livro foi-me envolvendo e desarmando, conquistando-me com a escrita, o enredo, os saltos temporais e de narradores. A dado momento, o entusiasmo esmoreceu um pouco porque prolonguei demasiado a sua leitura, por falta de tempo, mas quando o retomei a tempo inteiro gostei ainda mais dele. Fiquei realmente com pena de ter de me despedir dos personagens, sobretudo de Romy Hall, uma stripper e prostituta condenada a duas prisões perpétuas consecutivas por ter assassinado um dos seus clientes e personagem central d'O Quarto de Marte, mas também do ambiente sombrio que se sente neste livro e da escrita de Kushner.

 

Rachel Kushner demorou seis anos a escrever este livro, entrou em prisões como voluntária, falou com reclusas, guardas, advogados, mas não gosta de aplicar a palavra pesquisa ao processo. O foco central do livro é, portanto, a penitenciária feminina de Stanvillle, na Califórnia, mas, ao longo deste, vamos também descobrindo o passado das personagens que nos são apresentadas, um passado fora da prisão, e os caminhos que as levaram até ali, quem deixaram cá fora, etc. As partes que mais me marcaram foram, precisamente, as que se passam na prisão, a descrição do ambiente, a interacção entre reclusas, a interacção entre reclusas e guardas, os monólogos interiores, a luta por alguma dignidade, pelos bens essenciais de que são constantemente privadas, as pequenas conquistas, o arrependimento, a relação de Romy com a literatura

Recebi um embrulho. Como uma das sortudas que têm família, ajuda no exterior, eu, Hall, fui chamada para ir buscar o meu embrulho. O Hauser tinha-me arranjado três livros. "Minha Ántonia", "Sei porque Canta o Pássaro na Gaiola" e "Mataram a Cotovia".

Apesar da dureza de algumas partes, este livro é também caracterizado pelo humor, doseados com uma mestria que me agradou sobremaneira, mostrando que Rachel Kushner é, de facto, uma grande escritora. O Quarto de Marte dá-nos a conhecer uma perspectiva de um ambiente do qual, a maioria de nós, pouco sabe, mas que não deixa de ser riquíssimo, impressionante e devastador. Recomendo vivamente.

O silêncio da cela é onde a verdadeira pergunta se demora na mente de uma mulher. A única verdadeira pergunta, impossível de responder. O porquê do que fizemos. O como. Não o como em termos práticos, mas o outro. Como pudeste fazer tal coisa. Como pudeste.

 

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