[LIVROS] | O Livro de Emma Reyes
O Livro de Emma Reyes foi mais um dos casos em que me senti hipnoticamente atraída por um livro. A capa magnífica faz adivinhar um conteúdo soberbo e não desilude, bem nos diz a Quetzal, autores que não perdoam.
Emma Reyes foi uma pintora colombiana cuja infância nos é narrada ao longo de vinte e três cartas dirigidas ao amigo Germán Arciniegas, quando esta já se encontra a viver em França. Aos cinquenta anos (1969), Emma relata a Gérman a infância miserável que viveu, primeiro num quarto, onde era trancada à chave durante longas horas, juntamente com a irmã Helena, e depois num convento, onde viveu durante quinze anos.
Apesar da distância temporal que separa a escrita destas cartas do tempo que relata, Emma Reyes descreve pormenorizadamente o que lhe aconteceu, ou pelo menos, aquilo que pretende que saibamos que lhe aconteceu. Há sempre uma aura de mistério em relação às pessoas que se cruzaram com ela durante a infância e juventude, mas especialmente sobre quem eram os seus pais. Há várias teorias, mas não há certezas.
A Dona María saía quase todos os dias e ganhou o costume de fazer-se acompanhar quase sempre pela Helena, e a mim deixava-me ao cuidado do miúdo com andar de pato que se sentava ao pé de mim a brincar com o pião. Um dia pôs-mo a dançar em cima da mão e tive tanto medo que desatei a chorar. Noutro dia perguntou-me se eu tinha pai e mãe e eu perguntei-lhe o que era isso e ele disse-me que também não sabia.
O conteúdo destas cartas é tremendamente duro, Emma não poupa as descrições e é quase possível sentirmos o cheiro nauseabundo do balde (que servia de penico) que a pequena Emma carregou durante dias a fio, todas as manhãs, até à esterqueira. É paupável a dor e a inocência que caracterizaram a sua infância, várias são as vezes em que sentimos uma necessidade urgente de pegar naquela criança e dar-lhe colo, conforto, amor. Apesar da dureza do relato, Emma Reyes conta-nos também diversos episódios divertidos e cheios de humor, próprios da inocência das crianças, que sabem apenas o que lhes contam e que acreditam em tudo piamente.
Eu continuava agarrada às plantas e com a cara colada à terra; creio que nesse momento aprendi, de maneira instantânea, o que é a injustiça e que uma criança de quatro anos pode sentir perfeitamente o desejo de já não querer viver e de ser devorada pelas entranhas da terra. Esse dia foi, sem dúvida, o mais cruel da minha existência.
Uma história incrível que apenas foi publicada em 2012 e que de imediato se tornou num clássico. Para além das vinte e três cartas, este livro conta também com dois textos finais sobre Emma Reyes, escritos pelo seu amigo Gérman Arciniegas e por Diego Garzón, o último com muitos apontamentos sobre o que aconteceu a Emma depois do período descrito nas cartas, e com um fac-símile da primeira carta. Recomendo de olhos fechados. Maravilha.