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09
Nov17

[LIVROS] | Orlando

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Orlando, de Virginia Woolf, é um livro que, mais de um mês depois da sua leitura, ainda mexe comigo e me deixa a pensar no seu conteúdo. Sinto que não consegui absorver a totalidade do seu significado e propósito tal é a sua grandiosidade, motivo pelo qual demorei algum tempo a escrever esta opinião. É um daqueles livros que merecerá certamente uma releitura, para consolidar algumas ideias e descobrir pormenores que me passaram ao lado.

 

Trata-se de uma biografia, onde narrador e biógrafo são um só conduzindo-nos pela vida de Orlando de uma forma magistral, com apartes, reflexões e questões relevantes, e com um ritmo de narrativa muito peculiar, ora com descrições mais pormenorizadas, ora com acelarações/mudanças de tema repentinas, tudo divinalmente conjugado, demonstrando a imensa qualidade de Virginia Woolf enquanto escritora (se dúvidas ainda existissem).

Terá o dedo da morte de poisar de tempos a tempos no tumulto da vida para que este nos não destrua? Seremos feitos de tal massa que precisemos de tomar diariamente pequenas doses de morte, sob pena de não conseguirmos cumprir a missão de viver? E que estranhos poderes serão esses que penetram nos nossos meandros mais secretos e alteram, sem que a nossa vontade seja chamada a intervir, os tesouros que nos são mais caros?

Conhecemos Orlando enquanto jovem amante de livros e vamos acompanhando os detalhes do seu desenvolvimento e crescimento enquanto homem. Assistimos à forma como se apaixona fervorosamente e ao quebrar de todas as suas ilusões com um desgosto. Na sequência deste desgosto amoroso, Orlando isola-se na sua casa de campo e, mais tarde, acaba por partir para Constantinopla, como embaixador. É aqui que se dá o acontecimento fulcral deste livro: Orlando adormece durante sete dias e, quando acorda, é uma mulher, facto que é visto com total naturalidade e sem questionamento ou explicação. Não é o processo de transformação que importa, nem tão pouco a passagem do tempo ao longo desta biografia, já que paralelamente aos trinta anos de Orlando decorrem três séculos de período histórico, assinalado pelas mudanças na monarquia, acontecimentos históricos e evolução tecnológica.

 

A importância deste livro deve-se à forma como Woolf explora as questões de dualidade de género. Para além das diferenças óbvias, são evidenciadas as características mais íntimas de cada um, as suas preocupações, pensamentos e objectivos, o que é esperado dos mesmos pela família e sociedade, uma visão bastante objectiva, pejada de comentários irónicos e com um humor extraordinário. Virginia Woolf desconstrói o que é exigido das mulheres de forma simples e descomplexada, salientando que o caminho (quer das mulheres, como dos homens) deve caracterizado pela liberdade.

Recordava como, no tempo em que era homem, exigia das mulheres que fossem obedientes, castas, perfumadas e primorosamente ataviadas. "Agora vou ter de pagar na minha própria carne esses desejos", reflectiu; "porque as mulheres não são (a ajuizar pela minha breve experiência de pertença ao sexo) obedientes, castas, perfumadas e primorosamente ataviadas por natureza. Só podem alcançar essas graças, sem as quais não gozam nenhum dos prazeres da vida, mediante a mais enfadonha disciplina. Há o penteado", pensou, "que só por si me vai roubar cada manhã uma hora; há o ver-se ao espelho, mais uma hora; há o espartilho e as rendas; o banho e o pó de arroz; há o mudar de vestido, trocando o cetim pela renda e a renda pela seda; há o ser casta todos os dias do ano..." Aqui bateu o pé com impaciência, exibindo uma ou duas polegadas da perna. Um marinheiro empoleirado no mastro, que por acaso olhou para baixo nesse instante, sobressaltou-se tão violentamente que perdeu o pé e só por um triz se salvou. "Se ver os meus tornozelos pode custar a vida a uma honesta criatura que com certeza tem mulher e filhos para sustentar, manda a mais elementar humanidade que os traga sempre cobertos", pensou Orlando. As pernas eram, porém, um dos seus maiores encantos. E pôs-se a pensar na bizarra situação a que se chegou quando a mulher é obrigada a cobrir todos os seus encantos para que um marinheiro se não despenhe do topo de um mastro.

Em 1928, Virginia Woolf demonstra que era, sem dúvida, uma mulher muito à frente do seu tempo, escrevendo um romance fundamental, com conteúdo intemporal, onde o amor aos livros e à literatura está constantemente presente.

 

WOOK - www.wook.pt

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