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07
Dez17

[LIVROS] | A Guerra não Tem Rosto de Mulher

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A Guerra não Tem Rosto de Mulher, de Svetlana Alexievich, foi, sem dúvida, o livro mais duro que li em 2017. É certo que o ano ainda não terminou, mas creio ser impossível que qualquer livro que venha a ler durante o mês de Dezembro reúna a combinação de sentimentos que este livro provocou em mim. 

 

Prémio Nobel da Literatura em 2015, Svetlana Alexievich era uma das mulheres que mais queria ler este ano. Decidi começar por este livro devido à sua temática, desconhecendo na época que se tratava da sua estreia literária, em 1985. Esta edição não é a original, mas sim a versão de 2002, onde Svetlana reescreveu e acrescentou novos excertos a esta obra, já que anteriormente a censura não lhe havia permitido publicar livremente tudo o que pretendia.

 

O sufoco constante que este livro nos faz sentir forçou-me a fazer diversas pausas, por vezes bastaram horas, noutras foram necessários dias até conseguir retomar a sua leitura. Somos acompanhados por uma sensação de incredulidade e desconforto absurdamente esmagadora ao longo dos excertos das entrevistas feitas por Svetlana durante quatro anos a centenas de mulheres e alguns homens que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. Para além de terem sobrevivido à invasão, ocupação e à guerra que decorreram entre 1941 e 1945, todas estas mulheres russas estiveram, de uma ou outra forma, em combate, foram atiradoras, cirurgiãs, enfermeiras, conduziram tanques e pilotaram aviões, entre muitas outras funções associadas ao ambiente bélico.

 

Não existiram limites para estas jovens mulheres que sentiram a obrigação de defender a sua Pátria quando se temeu a derrota frente à poderosa invasão alemã. Perante a incredulidade dos homens que combatiam e chefiavam o Exército Vermelho, estas aprenderam o ofício da guerra, lutaram, sofreram, resistiram, cuidaram, chegaram mesmo a ser distinguidas e condecoradas mas, depois, caíram no esquecimento. É, portanto, da maior importância o trabalho realizado por Svetlana Alexievich que, com uma mestria que jamais havia conhecido e num género literário, para mim, completamente inédito, construiu uma obra-prima polifónica, um verdadeiro monumento ao sofrimento e à coragem.

Só mais tarde, passados trinta anos, começaram a homenagear-nos... A convidar-nos para vários encontros... Mas nos primeiros tempos ocultávamos tudo, não usávamos condecorações sequer. Os homens usavam, as mulheres não. Os homens eram vencedores, heróis, moços casadoiros, eles tiveram uma guerra, para nós toda a gente olhava com outros olhos. Bem diferentes... Digo-te mais, arrebataram-nos a vitória. Trocaram-na discretamente pela simples felicidade feminina. Não partilharam a vitória connosco. Ressentíamo-nos... Não compreendíamos... Porque na frente os homens trataram-nos maravilhosamente bem, sempre nos tentaram proteger, não observei esta atitude com as mulheres na vida normal.

Este livro reúne um conjunto de relatos, ligados entre si de forma soberba, que nunca deverão ser esquecidos e que todos deviam conhecer, não se tratando de um relato de guerra em si, mas do que mulheres e homens viveram colectiva e individualmente. O medo, a fome e o frio que sentiram, o que os fazia sobreviver mais um dia, como foi aprender a matar e efectivamente fazê-lo? Que marcas ficaram, como é viver depois de ter experienciado um dos, se não o mais, marcante dos acontecimentos?

 

A Guerra não Tem Rosto de Mulher é de uma dureza perturbadora e tremendamente emocionante, faz-nos chorar pelo sofrimento cravado em cada página, mas também de orgulho pela coragem e pelas conquistas destas mulheres. Colmatou uma lacuna no meu conhecimento de uma forma arrebatadora e que jamais irei esquecer. Svetlana conquistou um lugar especial no meu coração e pretendo ler mais livros seus em breve.

Hoje penso: era preferível ter sido ferida numa perna ou num braço, para que só me doesse o corpo. Não a alma... A dor é grande. Fomos combater muito novinhas. Meninas. Até cresci durante a guerra. A mãe mediu-me em casa... Cresci dez centímetros...

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